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O antigo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes defende que um confinamento como o que vivemos em março, não chega. Temos de usar o armamento todo e já.
Em entrevista à Renascença, o antigo governante diz não entender porque é que se esperou pela reunião do Infarmed para tomar medidas que são essenciais para conter a pandemia: na situação que vivemos, todos os dias contam, destaca.
Pede, por isso, coragem ao Governo e que avance com o encerramento das escolas.
Estamos prestes a entrar num novo período de confinamento geral. Acha que as escolas devem fechar?
Estamos perante uma situação completamente nova. Diria que, neste momento, replicar um confinamento semelhante ao de abril ou maio não me parece prudente. Acho que nós precisamos de uma paragem muito forte, muito intensa, porque o sistema de Saúde está a entrar em sérias dificuldades. Temos dados que não tínhamos em abril/maio, temos uma nova variante, cuja expressão epidémica em Portugal não está ainda quantificada e, portanto, eu tenho muitas dúvidas sobre as certezas de alguns de que as escolas não são um problema adicional e não são um problema que contribua para nós não travarmos tão depressa quanto queremos e quanto seria necessário.
Então acha que devem fechar?
Acho que a decisão tem de ser muito ponderada. E há aqui uma componente política, porque, repare, não há consenso na comunidade científica. Existem posições nos dois sentidos e vimos que países como o Reino Unido e a Alemanha, por exemplo, fecharam escolas, tomaram uma decisão que é de natureza política.
É muito duro, é muito doloroso, é muito complicado fechar escolas, nós temos bem a noção de que deve ser feito tudo para evitar isso, mas, não estando eu na posse de todos os dados – que na reunião do Infarmed deverão ser disponibilizados – inclinar-me-ia para uma decisão política vigorosa, porque nós não temos margem para não acertarmos no sucesso deste confinamento; a situação é de facto muito difícil.
Por decisão politica vigorosa entende fechar as escolas?
Eu sou adepto, neste momento, face aos dados que nós conhecemos, face ao que se está a passar na Europa e face à posição de Portugal relativamente à Europa de que vale mais nós termos a coragem e assumirmos a dor de um conjunto de medidas muito fortes agora, durante duas ou três semanas, e evitarmos males maiores do que ficarmos a meio da ponte.
Portanto, não estando eu, como disse, na posse de todos os dados que na reunião do Infarmed vão ser discutidos, sabendo e reconhecendo que é uma situação muito difícil – porque é uma questão sobre a qual não há consenso na comunidade científica – o senso comum também nos diz que é difícil supor que a circulação de crianças e adolescentes não tem nenhuma influência no processo adicional de transmissão. Uma coisa é as crianças mais jovens terem uma apetência menor para contraírem infeção e terem menos virémia, menos carga vírica, e serem potencialmente menos transmissores; outra coisa são os adolescentes e outra coisa ainda é toda a circulação social que é determinada pelo funcionamento das escolas. Portanto, esta é uma matéria que tem de ser decidida no plano técnico, mas também no plano político.
Faria sentido manter as escolas do 1º ciclo abertas e as do secundário e universidades fecharem?
Sim, acho que há evidência robusta nesse sentido e basta olhar para aquilo que a Alemanha e o Reino Unido fizeram. E, obviamente que, dentro deste gotejamento da análise de risco e até das implicações nas famílias, e até o próprio impacto negativo nas crianças, eu acho que a protegermos um grupo seria claramente o grupo das crianças do ensino básico.
E quanto à questão económica? Porque fechar as escolas implica que muitos pais ficam em casa… Isso também tem de ser ponderado nesta decisão?
Claro, evidentemente. E é por isso que a decisão é difícil e é por isso que os decisores políticos têm uma enorme dificuldade em tomá-la: tem implicações nas famílias.
Agora, é preciso compreender uma coisa: nós, no último ano, temos passado por períodos que são relativamente violentos do ponto de vista da perceção. Tivemos várias vezes a ideia de que isto estava quase resolvido e temos tido sucessivos banhos de água fria e sucessivas desilusões e esta é talvez a maior.
Este período é o período mais difícil – nós sempre dissemos e as autoridades estão conscientes disso, de que o período do Natal, janeiro, fevereiro, com o frio, com as condições atmosféricas, criam, de facto, a tempestade perfeita.
Nesse sentido, as implicações económicas são brutais, as implicações sociais, e para as famílias, são brutais, mas nós estamos numa situação de verdadeira exceção e, para prevenir males maiores, falando verdade às pessoas, é preciso uma atitude individual de grande responsabilidade, não criando em volta da vacina nenhuma ilusão.
A vacina, mesmo que nós consigamos ter muitas doses e ser muito eficientes na vacinação, não terá efeitos imunitários na população antes do fim da Primavera, início do Verão.
A vacina talvez tenha descansado algumas pessoas. Temos pela frente um deserto de imunidade e a nossa responsabilidade individual – a proteção das nossas famílias – é fundamental e cerrar fileiras em torno de medidas, que são muito difíceis mas que não é por acaso que países como a Inglaterra e a Alemanha e a própria Espanha e a França estão a tomar. Não é altura para hesitar.
Apostar numa testagem em massa nas escolas não faria sentido nesta altura?
Faria sentido. Talvez até fizesse mais sentido nos lares de idosos, nomeadamente, nos profissionais que lá trabalham. Esses testes existem, são baratos, podem e devem ser massificados. O dispositivo de saúde pública está exausto e temos hoje – é do conhecimento público – dificuldade em fazer o rastreamento e controlo das cadeias de transmissão.
Portanto, nós estamos em campo aberto e estamos em campo aberto quando a saúde pública está esgotada e a resposta assistencial hospitalar está, de facto, a atingir níveis que nunca tínhamos visto.
Assim, usar as armas todas, correndo o risco de as usar por excesso, é muito melhor do que lamentar não as ter usado. A massificação dos testes rápidos faz sentido, sobretudo, com o critério de proteção prioritário das populações mais em risco, como são os idosos e os trabalhadores que lidam com esta população e eventualmente também nas escolas, na comunidade educativa. Agora é fazer. Fazer isso rapidamente.
A medida já devia ter sido tomada?
Sim. Está bem que temos a reunião do Infarmed mas, entretanto, passaram três, quatro, cinco dias em que algumas medidas já podiam ter sido tomadas e esperamos aqui quatro, cinco dias que não valia a pena ter esperado.
Nós aprendemos, mesmo os que não são da área da epidemiologia ou da saúde pública, mesmo o cidadão comum percebeu que isto é um fenómeno que atinge uma espécie de bola de neve que rapidamente cresce, ganha velocidade e ganha volume, e quanto mais velocidade e mais volume ela tem mais difícil é fazê-la ficar mais pequena e andar mais devagar e retardar o seu andamento. Portanto um dia, dois dias, três dias fazem muita diferença.
O Governo ouviu os partidos com assento parlamentar sobre a eventualidade de um novo confinamento e considera existir um “grande consenso” no sentido de avançar. No sábado, a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, adiantou aos jornalistas que a intenção é decretar as medidas “o mais cedo possível”. Mas antes, ouvir os especialistas.