Os três desafios de Merkel
24-09-2017 - 22:06
 • Guilherme Correia da Silva (correspondente da Renascença na Alemanha)

A chanceler ganhou o quarto mandato, mas não viverá facilidades nos próximos quatro anos. Há muitas questões em aberto, sejam elas nacionais ou internacionais e um problema chamado AfD. No meio de tudo isto, que legado deixará Merkel?

O partido de Angela Merkel acaba de vencer as eleições na Alemanha, com 33% dos votos, mas a líder democrata-cristã já tem pela frente, pelo menos, três grandes desafios.

O mais urgente é formar uma coligação. Sem a maioria absoluta no Parlamento, a União Democrata-Cristã e a União Social Cristã (CDU/CSU) de Angela Merkel tentará arranjar parceiros.

“Temos a tarefa de formar um governo e nenhum governo poderá ser formado contra nós“, afirmou Merkel este domingo. Após a recusa imediata dos sociais-democratas do SPD em voltar a formar uma grande coligação com o partido de Angela Merkel, só outra configuração será possível: uma coligação da CDU/CSU com os Liberais (FDP) e os Verdes. Mas as conversações deverão ser difíceis.

Ultrapassado esse imbróglio, surgirá de imediato um outro: como pretende o próximo executivo, liderado por Merkel, responder às divisões crescentes no seio da Alemanha e da Europa, com a entrada do partido anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD) no Parlamento federal e a saída do Reino Unido da União Europeia?

Por fim, qual será o legado de Angela Merkel?

Primeiro desafio: formar uma coligação

Encontrar um parceiro de coligação pode demorar. Após as últimas eleições, em Setembro de 2013, foram necessárias várias semanas de conversações até que o partido de Angela Merkel conseguisse chegar a um acordo de coligação com o Partido Social-Democrata. Os membros do SPD só aprovaram a grande coligação em Dezembro.

Este ano, as conversações também deverão ser difíceis. O SPD recusa ingressar novamente no executivo de Angela Merkel. Sendo assim, tendo em conta os resultados, a única outra configuração governamental possível - sem contar com um Governo minoritário, considerado difícil pelos analistas - teria as cores da bandeira jamaicana: preto, correspondente à CDU/CSU, amarelo, dos Liberais, e verde.

Uma coligação a dois entre o partido de Merkel e o FDP seria, politicamente, mais fácil - os Liberais são considerados “aliados naturais“ dos conservadores. Mas, numa união a três, as dificuldades aumentam. Já existe uma coligação do género no estado federado de Schleswig-Holstein, no norte da Alemanha, mas vários observadores vêem com cepticismo um matrimónio entre a CDU/CSU, FDP e os Verdes à escala federal.

As diferenças programáticas entre os Liberais e os Verdes são muitas. Os Verdes pedem, por exemplo, que só se produzam automóveis limpos a partir de 2030; o FDP rejeita a proibição de carros com emissões de poluentes. Os Verdes exigem um imposto para os mais ricos; o FDP promete diminuir os impostos para quem ganha mais.

Durante a campanha eleitoral, tanto os Liberais como os Verdes afirmaram que lhes faltava a ”fantasia“ para formar uma coligação “Jamaica“. E este não seria o único obstáculo. Os conservadores bávaros da CSU também têm demonstrado reservas em relação a uma coligação com os Verdes, lembrou o politólogo Gero Neugebauer, da Universidade Livre de Berlim, numa entrevista recente à Renascença.

Segundo desafio: descontentamento na Alemanha e na Europa

O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha entra, este ano, pela primeira vez no Parlamento federal, passando a ser a terceira maior força política. Isto depois de conquistar assentos nos Parlamentos de 13 dos 16 estados federados.

A ascensão da AfD, que nas últimas eleições não conseguiu votos suficientes para entrar no Parlamento, espelha o descontentamento de muitos eleitores com os políticos, considera Volker Best, da Universidade de Bona.

Há um “sentimento de que os partidos são iguais“ e a AfD promete uma alternativa: com a crise dos refugiados, em 2015, o partido exigiu, por exemplo, o encerramento das fronteiras e isso agradou a muitos cidadãos que estavam contra a política de “portas abertas“ da chanceler Angela Merkel.

Numa entrevista à revista alemã Der Spiegel, o político social-democrata Sigmar Gabriel culpou, em parte, Angela Merkel pelo crescimento da AfD. A chanceler ter-se-ia esquecido dos muitos cidadãos alemães que se sentem ignorados pelos políticos, enquanto o país recebia centenas de milhares de refugiados, referiu Gabriel.

A Alternativa para a Alemanha exige um maior envolvimento dos cidadãos na tomada de decisões, defendendo a realização de referendos semelhantes aos da Suíça.

O politólogo Volker Best alerta, por isso, que a AfD está para ficar: “Não estou certo de que esta seja uma coisa de uma só legislatura“, afirma. “Acho que há uma normalização a longo prazo“.

Este domingo, Angela Merkel realçou que é preciso recuperar os eleitores perdidos para a Alternativa para a Alemanha.

Outra questão na agenda do próximo governo alemão será a saída do Reino Unido da União Europeia.

A maior economia do continente deverá desempenhar um papel crucial nas negociações sobre o Brexit, de acordo com a revista Foreign Affairs. “Olhando para o futuro, a Alemanha precisa de um líder que possa manter a coesão europeia e navegar por entre as tendências antidemocráticas em crescimento na União Europeia“ e o futuro incerto da aliança com os Estados Unidos da América“, escreveram Claire Greenstein e Brandon Tensley na publicação norte-americana.

Terceiro desafio: que legado?

Quem sucederá a Merkel? Essa é uma pergunta que, segundo o politólogo Gero Neugebauer, mais tarde ou mais cedo surgirá no seio da CDU. Colocar-se-ão ainda duas outras questões: como pretende Merkel ser conhecida pelas gerações futuras e que legado deixará?

“O primeiro chanceler alemão, Konrad Adenauer, é conhecido actualmente como o chanceler que fez a ‘integração ocidental‘. Willy Brandt impulsionou a política de diálogo com o Leste. Helmut Kohl é considerado o chanceler da reunificação. E Angela Merkel? Será a chanceler dos refugiados?“, indaga Neugebauer.

Merkel, há 12 anos no poder, quase tantos como Adenauer, não terá desejado esse epíteto, comenta o politólogo.

“Será ela a chanceler da integração europeia? Custa-me a acreditar.“