Os cristãos do Iraque, e do Médio Oriente em geral, esperam que a visita do Papa Francisco não seja apenas para estar com os seus fiéis católicos no país, mas sim para melhorar a sorte da comunidade em geral e garantir os seus direitos.
Para isso, dizem, contam com o que sabem ser uma poderosa máquina diplomática.
Em entrevista à Renascença, Metin Rhawi, responsável pelas relações externas da União Siríaca Europeia (USE), que representa os interesses de cristãos na zona do Iraque, Síria e Turquia, diz que há vozes na comunidade cristã que contestam a visita de Francisco nesta altura.
“Sofremos de genocídios há mais de 100 anos, o último foi em 2014 às mãos do Estado Islâmico, antes disso em 1915 pelos otomanos e ainda em 1894. Ninguém pede responsabilidades por aquilo que aconteceu. Os nossos direitos não existem. Ninguém fala no nosso direito de educar os nossos filhos e usar a nossa língua, o direito a sermos cristãos”, diz.
“Portanto há muitos direitos em falta e algumas pessoas acham que antes de viajar e legitimar o regime, o Papa devia exigir que isso seja corrigido, garantindo que os cristãos vejam os seus direitos reconhecidos. Há o perigo de isto legitimar o regime e dar a ideia de que tem sido bem-sucedido na forma como lidou com estas questões”, acrescenta Metin Rhawi.
O próprio representante da USE, porém, não se identifica com esta perspetiva. “Sabemos que o Papa tem muita influência e pode ajudar a influenciar muitos países, sobretudo os países que são de tradição católica. Nós, na União Siríaca Europeia não expressámos quaisquer reservas sobre a visita do Papa, achamos que é bom, é importante que ele vá visitar as nossas terras porque alguns dos nossos membros pertencem às suas igrejas e ele deve perguntar sobre os seus direitos, e esperamos que o faça.”
“Compreendemos que ele não é um chefe político com um exército à disposição, nem pode aplicar sanções, nem nada do género, mas sabemos que ele tem a capacidade, quando o quer, de traçar uma linha vermelha que ninguém deve atravessar. Esperamos que seja essa a sua intenção, porque vemo-lo a ele e aos que o rodeiam muito preocupados com a ideia de que o Cristianismo desapareça do Médio Oriente, do Iraque. Estão a fazer o melhor possível. A sua arma mais poderosa é a oração, mas tem também a diplomacia e acreditamos que a vai usar”, completa.
O padre Thabet Habeb Yousef diz, no entanto, que todos os cristãos estão entusiasmados com a visita do Papa, incluindo os não católicos. “Todos os cristãos depositam a sua esperança nesta visita do Papa ao Iraque, mas não apenas os cristãos. Muitos muçulmanos também depositam as suas esperanças nesta visita mais do que noutras figuras, incluindo os políticos iraquianos”, diz.
Francisco “não é parvo nenhum, é corajoso”
Entre insegurança no país e a pandemia, havia todas as razões e mais alguma para o Papa não visitar o Iraque nesta altura.
O facto de o fazer é encarado por alguns como uma loucura, mas os cristãos do Médio Oriente têm outra visão. “Precisamos de um homem forte, com a fé de Abraão. Quando Deus disse a Abraão para ir, ele não pensou nos perigos, partiu simplesmente. Também o Papa quer visitar diretamente o Iraque, sem quaisquer cálculos e sem medo. Isto é muito bem-visto pelos cristãos no Iraque, que esperam a visita de um Papa sem medo, com coragem”, diz o padre Thabet.
Metin Rhawi, que nasceu na Turquia e vive na Suécia mas conhece bem a realidade no terreno no Iraque, diz que a decisão de Francisco mostra coragem e que isso é apreciado pelos cristãos.
“Sabemos que mesmo o Papa emérito expressou o seu receio e pediu ao Papa para ter cuidado e talvez não visitar já por causa da segurança e da pandemia. Acho que o Papa não é parvo nenhum, não é tonto. Está a fazer uma coisa de imenso valor para mostrar que está com o seu povo e que também tem interesses no Iraque.”
“Ele é um líder que tem de mostrar estar próximo do seu povo. Está a fazê-lo e merece reconhecimento por isso. Claro que esperamos que ele chegue são e salvo a casa, e acredito que sim, não estou preocupado que lhe aconteça alguma coisa. Ele sabe o que isto significa para o seu povo, porque por mais que haja quem não o queira no Iraque antes de se garantir paz, há uma parte que está muito contente por vê-lo a mostrar que está com o povo, que sabe que eles existem lá e que ninguém os deve poder obrigar a abandonar o seu país. Até ele vai lá visitá-los. Na prática é um ato de estar com o seu povo, e isso é bom.”
O Papa chega ao Iraque na sexta-feira, dia 5 de março e fica no país até segunda-feira, dia 8, altura em que regressa a Roma.