A nova lei da droga que descriminaliza as drogas sintéticas e faz uma nova distinção entre o tráfico e o consumo dessas novas substâncias, determinando as contraordenações com referência às doses diárias, entra este domingo em vigor.
O diploma, que "clarifica o regime sancionatório relativo à detenção de droga para consumo independentemente da quantidade e estabelece prazos regulares para a atualização das normas regulamentares", foi promulgado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a 31 de agosto, após o Tribunal Constitucional ter validado o diploma, e publicado em Diário da República no dia 8 de setembro.
Com o diploma, há novas sanções e aumenta a legalidade da posse de doses de estupefaciente. Ultrapassadas as doses para 10 dias de consumo, será considerado indício de crime de tráfico e não automaticamente crime, cabendo depois ao tribunal avaliar caso a caso.
À Renascença, o diretor do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências, João Goulão admitiu a falta de recursos humanos para a estratégia de combate à droga.
"Não posso dizer que isso seja verdade [cortes de orçamento]. Temos mantido orçamentos suficientes, o que não temos é a capacidade de captar novos profissionais nesta área", indica, alertando que a nova lei da droga "poderá ser uma dor de cabeça para as polícias", afirma.
Em causa estão as situações em que é necessário fazer prova de que as doses, supostamente para consumo próprio, não se destinam a atividades de tráfico. "Embora reconhecendo a bondade do princípio, isto vai acarretar dificuldades acrescidas às forças policiais e ao sistema criminal", diz João Goulão.
João Goulão saúda a intenção, mas lembra que isso vai dificultar o trabalho das autoridades no terreno, defendendo uma coordenação mais eficaz na redução dos consumos, a par com um combate mais robusto ao tráfico de droga.
A nova lei atualiza o decreto-lei de 1993, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, para acautelar situações de desigualdade entre Novas Substâncias Psicoativas (NSP) e Drogas sintéticas e distinguir os traficantes dos consumidores.
O diploma determina que, se a aquisição e a detenção das drogas exceder "a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, constitui indício de que o propósito pode não ser o de consumo", mas sim o de tráfico, quando antes o limite máximo era de cinco dias.
Mesmo que a aquisição ou detenção das substâncias exceda uma quantidade superior ao consumo de 10 dias, o tribunal pode decidir que as drogas "se destinam exclusivamente ao consumo próprio", podendo nesse caso arquivar o processo, decidir não pronunciar o arguido ou absolvê-lo e encaminhá-lo para uma comissão para a dissuasão da toxicodependência.
Na altura da discussão, a nova lei gerou alguma polémica, incluindo pedidos de "ponderação" por parte do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, e de "muita prudência" por parte do ministro da Saúde, Manuel Pizarro.
No debate realizado no início de julho, PSD e PS justificaram os diplomas sobre a descriminalização de drogas sintéticas com a necessidade de distinguir entre traficantes e consumidores, para acautelar situações de desigualdade entre novas substâncias psicoativas e drogas clássicas.
Segundo o "Relatório Europeu sobre Drogas 2022: Tendências e evoluções", foram apreendidas em 2020 quase sete toneladas de drogas sintéticas, substâncias que são vendidas pelas suas propriedades psicoativas, mas não são controladas ao abrigo das convenções internacionais em matéria de droga.
"Também existe preocupação quanto ao crescente cruzamento entre os mercados de drogas ilícitas e de novas substâncias psicoativas. (...) Estes desenvolvimentos significam que os consumidores podem ser expostos, sem conhecimento de causa, a substâncias potentes que podem aumentar o risco de episódios de "overdose" fatais ou não fatais", alertava o relatório.
O mesmo relatório indicava que no final de 2021, o Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência monitorizava cerca de 880 novas substâncias psicoativas, das quais 52 foram comunicadas pela primeira vez na Europa em 2021. Em 2020, tinham sido detetadas no mercado cerca de 370 NSP anteriormente notificadas. .
Em 2020, os Estados-membros da União Europeia contabilizaram 21.230 das 41.100 apreensões de NSP comunicadas na UE, Turquia e Noruega, num total de 5,1 das 6,9 toneladas apreendidas.