No conjunto dos esforços que governos e organizações da sociedade civil empregam na prevenção do cancro da mama – o mais prevalente em Portugal e a nível mundial – uma ênfase cada vez maior é colocada na promoção da literacia em saúde.
A OMS define-a como o grau de capacidade que as pessoas têm de obter, processar e entender informação básica de saúde para poderem utilizar os serviços e tomarem decisões adequadas de saúde. Estamos a falar de informação fidedigna, o que constitui não só um problema de acesso para as populações mais vulneráveis, mas, atualmente, um requisito imprescindível de pensamento crítico que se deveria expressar, com segurança, na escolha de fontes sérias e credíveis.
Enfrenta dificuldades crescentes face aos tsunamis de informação errónea que se propagam rapidamente nas redes sociais e equivalentes.
Mas a vastidão dos efeitos do cancro da mama e as suas muitas implicações na vida das doentes exige que se consigam criar as condições mais favoráveis ao compromisso de cada uma das mulheres no seu próprio processo de cura.
Por isso mesmo, as equipas especializadas procuram informá-las, esclarecê-las e oferecer-lhes os elementos racionais e emocionais que as ajudem a querer o melhor para si mesmas, apesar das muitas voltas e reviravoltas dos longos e difíceis tratamentos. Não é um processo linear nem fácil, atendendo aos inesquecíveis efeitos secundários, alguns dos quais arrastando-se durante anos ou, simplesmente, instalando-se de por vida, tanto do ponto de vista físico como emocional, social, laboral, familiar... E há o medo, a incerteza, tantas razões para se deixar arrastar pela desesperança em direção à indiferença e ao abandono.
Este trabalho é extensível às famílias, chamadas a envolver-se, um papel que é difícil, cansativo, maçador, mas muito necessário, deixando nos gabinetes e corredores hospitalares quadros contínuos de preocupação e nervosismo desajeitado, mas também de compreensão, cuidado e comprometido carinho.
Estas experiências e estas atitudes sofrem com as culturas de base, exigindo a quem segue as doentes uma sensibilidade difícil de manter, mas que acaba por resultar numa espécie de acervo informal que nasce de muitas histórias partilhadas quando uma organização hospitalar dedicada desenvolve uma verdadeira cultura de cuidado.
São os “cuidados integrados” da inteligência de saber entender o ser humano no seu todo e do exercício da profissão mais como uma vocação relacional que se faz acompanhar da – melhor e mais avançada – parafernália científica, do que uma atividade essencialmente técnica que implica, por vezes, o desconforto mediado pela omnipresença do ecrã do PC de se ter de dizer coisas “desagradáveis” a pessoas em situação de extrema fragilidade.
Ainda assim, o cancro da mama continua a ser uma doença potencialmente mortal e, mesmo nos casos mais precoces e benignos (com uma probabilidade de cura na ordem dos 90%) uma experiência altamente traumática.
Não basta que os esforços se centrem na prescrição e seguimento dos muitos tratamentos que hoje estão em jogo, diminuindo o sofrimento e alcançando períodos de sobrevida cada vez mais extensos: cirurgia (por vezes, com reconstrução imediata), quimioterapia, radioterapia e as terapêuticas hormonal e a dirigida, esta última com resultados tão promissores. A prevenção joga um papel imprescindível no controlo desta doença e deve cobrir toda a sociedade.
De facto, hoje sabe-se com segurança que se a idade é o maior fator de risco para o cancro da mama, a obesidade, o consumo de tabaco e de álcool e a sedentarização da atividade diária – evitáveis e corrigíveis – têm, naquilo a que chamamos “estilo de vida” (a que se adicionam os efeitos da poluição), um enorme peso. E se a investigação científica deve continuar e necessita de gigantesco e constante investimento financeiro, as políticas seguras de literacia para a saúde devem tratar, com clareza e persistência, as dimensões da prevenção eficaz.
Os doentes sabem que lidar com um cancro não é uma guerra e que a utilização da terminologia bélica mais não faz do que ofuscar aquilo que pode e deve ser abordado.
Devemos empenhar-nos na cura para o cancro sem colocar aqueles que sofrem esta má fortuna – não escolhida e nem sempre evitável – entre a simbólica espada do “dever” da coragem e a parede onde se encosta o seu desamparo. Em contrapartida, devemos e podemos concentrar-nos naquilo que pode mudar.
Neste âmbito, não esqueçamos as muitas mulheres diagnosticadas com cancro da mama que instintivamente associam o seu surgimento a etapas da vida enormemente sobrecarregadas de stress.
Se bem que seja difícil analisar o (multicausal e multivariável) stress do ponto de vista científico, não parece impossível que condições de vida mais justas, melhor conciliação entre o trabalho e a família e uma melhor divisão das tarefas e responsabilidades domésticas, signifique menos somatização por alerta extremo, menos comportamentos de risco e, quem sabe, um estilo de vida que melhor previna o cancro.
Essa é a batalha a proporcionar. Cuidar começa em cada um de nós.