O Parlamento aprova esta sexta-feira a Agenda do Trabalho Digno, com mais de 150 alterações ao Código do Trabalho e a outros diplomas conexos. Entre as novidades, estão o travão ao outsourcing após despedimento, o aumento para 20 dias das faltas por morte do cônjuge, o alargamento do direito ao teletrabalho, a criminalização da não declaração de trabalhadores à Segurança Social, a impossibilidade de haver renúncia aos créditos laborais, a não ser por decisão judicial e a possibilidade de os desempregados de longa duração poderem acumular parte do subsídio com o salário.
Embora reconhecendo que há algumas medidas positivas, o especialista em direito laboral Luís Gonçalves da Silva lembra que é já a 23ª alteração ao Código Laboral”, critica a “má técnica legislativa” e admite que há três alterações que podem ser inconstitucionais. A vice-presidente da bancada do PSD Clara Marques Guedes admite que a sua bancada pode vir a pedir a fiscalização sucessiva da proibição do recurso ao outsourcing para preencher lugares de trabalhadores despedidos por extinção de posto de trabalho ou despedimento coletivo. Em causa a liberdade de iniciativa económica.
Entre as alterações, que devem entrar em vigor no início de abril, a que mais polémica causou diz respeito aos motoristas e estafetas que devem ser reconhecidos como trabalhadores das plataformas como a Uber, a Bolt ou a Glovo. Passa a existir a presunção de que os estafetas e motoristas têm um contrato de trabalho com as plataformas digitais. O problema é que vão ter de ser eles a desencadear o processo para verem reconhecido que não são trabalhadores independentes, mas têm um vínculo laboral, admite o deputado do PS Fernando Catarino José.
“Terá obviamente que existir aqui da parte do trabalhador, cabendo nestas situações de despoletar essa situação e haver aqui, obviamente, um trabalho de fiscalização por parte da inspeção de trabalho, por parte da ACT, no sentido de convalidar estas situações”, explica.
Estima-se que sejam mais de 100 mil os trabalhadores das plataformas de entrega de comida e transporte, muitos são imigrantes e nem sequer falam português, mas terão de ser eles a desencadear o processo de reconhecimento do seu vínculo laboral com as plataformas. A bancada socialista acredita que a Autoridade para as Condições do Trabalho e a Inspeção Geral do Trabalho farão a fiscalização dos falsos independentes e rejeitam a ideia de falta de meios.
Críticas da oposição
Excesso de confiança, considera a bancada do PCP pela voz do deputado Alfredo Maia. “O que nós conhecemos no terreno é que isto pode não corresponder de facto à verdade. Porquê? Porque há inúmeros exemplos que nós conhecemos de falta de resposta da ACT, não é há uma semana, não é há um mês, é há anos que pedidos dos sindicatos para intervenção”, argumenta.
Já o principal partido da oposição faz muitas críticas à legislação, a começar pela norma que estipula a presunção do contrato de trabalho no âmbito das plataformas digitais. A vice-presidente da bancada social-democrata, Clara Marques Mendes, diz que é complexa e pouco clara, mesmo para o legislador.
“Olhemos para este artigo 12ª e se nós, legislador, temos dificuldade em entender por maioria de razão terá, quem depois vai aplicar este artigo e quem vai ter que o cumprir, porque de facto ele é de difícil compreensão”, observa.
Certo é que os deputados aprovam hoje a 23ª terceira alteração ao Código Laboral e o especialista em Direito Laboral Luís Gonçalves da Silva acusa o PS e o Governo de tornar ingerível a vida das empresas com sucessivas mudanças das regras pelas quais se regem as relações entre trabalhadores e empregadores.
“Nós estamos perante a 23.ª alteração ao Código de Trabalho de 2009. Demonstra bem como a instabilidade, inconstância, aliás, alterações a normas feitas pelo PS em 2019. Portanto, isto é impensável para gerir e ser gerido em qualquer empresa”, sinaliza.
O professor da Faculdade de Direito de Lisboa defende que as alterações ao Código de Trabalho têm uma técnica legislativa deficiente e vão dar aso à dúvida e à conflitualidade laboral. Luís Gonçalves da Silva lembra também que as alterações que hoje vão ser aprovadas “não tiveram o apoio de nenhum dos parceiros sociais”.
Também a deputada do PSD Clara Marques Mendes acusa do Governo e o PS de terem “aprovado a Agenda do Trabalho Digno à pressa e à revelia dos parceiros sociais”.
O deputado socialista Fernando Catarino José defende-se das críticas, alegando que as alterações ao Código Laboral foram feitas depois de muitas audições e de um amplo debate entre todos os partidos.
“O PS não votou sozinho as alterações na especialidade”, diz, lembrando que “teve sempre o apoio ou do PSD ou do PCP e do BE”.
Embora tivesse apoiado pontualmente algumas das medidas, o PCP vai votar hoje contra a Agenda do Trabalho Digno. Opõe-se nomeadamente à “não reposição do valor das indemnizações por despedimento, anterior ao período da Troika, e ao facto de o Código de Trabalho manter a obrigação do trabalhador despedido renunciar ao recurso aos Tribunais, quando recebe a indemnização”.
Estas são questões em debate na edição de sábado do “Em Nome da Lei”, um programa da jornalista Marina Pimentel, transmitido aos sábados ao meio-dia pela Renascença e sempre disponível nas plataformas de podcast.