“A cada dia me questiono se não devo, também hoje, falar de ‘tão grande culpa’ ”, escreve Bento XVI na carta divulgada esta terça-feira a propósito do recente relatório sobre abusos sexuais cometidos na diocese de Munique e Freising entre 1945 e 2019.
Esse documento, conhecido em janeiro, acusou-o de ter encoberto casos de abuso e não os ter reportado ao Vaticano quando foi responsável por aquela diocese, entre 1977 e 1981.
O relatório foi analisado em detalhe pelo Papa Emérito, com ajuda de vários colaboradores – a quem agradece na carta divulgada hoje. Bento XVI admite que possa ter cometido “erros” de avaliação, e fala da dor que sente, porque sabe que cada caso de abuso “é terrível e irreparável”. E refere-se aos encontros que ao longo dos anos manteve com vítimas de abuso, e que o ajudaram a compreender o seu sofrimento.
“Em todos os meus encontros, sobretudo durante as numerosas viagens apostólicas, com as vítimas de abusos, aprendi a compreender que nós mesmos somos arrastados por esta tão grande culpa quando a negligenciamos ou não a enfrentamos com a necessária decisão e responsabilidade, como aconteceu e acontece com muita frequência”, escreve Bento XVI, expressando a sua “profunda vergonha” e o seu “sincero pedido de perdão”, porque teve “grandes responsabilidades na Igreja”.
Na carta o Papa Emérito refere-se, ainda, ao “lapso” que houve na informação prestada sobre a sua participação numa reunião, em 1980, em que se discutiu um caso de pedofilia – inicialmente garantiu não ter participado, mas esteve afinal presente no encontro.
“Este erro, que infelizmente ocorreu, não foi intencional e espero seja desculpável”, escreve Bento XVI, que não esconde a sua mágoa por ter havido quem se aproveitasse disso para o atacar. “Tocou-me profundamente que a distração tivesse sido utilizada para pôr em dúvida a minha veracidade e até mesmo para me fazer aparecer como mentiroso.”
Na carta, o Papa Emérito agradece toda a ajuda e mensagens de encorajamento que recebeu desde que foi divulgado o relatório dos abusos, e em particular a “confiança, apoio e oração” que o Papa Francisco lhe expressou pessoalmente.
“Em breve me encontrarei perante o último Juiz da minha vida”, escreve ainda o Papa Emérito, concluindo: “embora ao olhar retrospetivamente a minha longa vida possa ter tantos motivos de susto e medo, estou com o coração feliz porque confio firmemente que o Senhor não é só justo juiz, mas simultaneamente é o amigo e o irmão”.
De acordo com o site Vatican News, junto com a carta foi publicado um anexo de três páginas, no qual os quatro especialistas em direito Stefan Mückl, Helmuth Pree, Stefan Korta e Carsten Brennecke - que anteriormente já tinham colaborado na resposta às perguntas enviada pela Comissão Independente – reiteram a inocência do então cardeal Ratzinger, garantindo que o Papa Emérito “em nenhum dos casos analisados pelo relatório teve conhecimento de qualquer abuso sexual cometido, ou suspeito de ter sido cometido por padres”.