Mais rapidamente saem para as ruas com cartazes e criam contas nas redes sociais para defender causas do que abanam bandeiras partidárias no final de um comício partidário. Os jovens estão cada vez mais interessados pelo ativismo – e não só – e até há quem diga que até podem estar a condenar ao falhanço as juventudes partidárias.
Mas será que esta distância entre partidos e jovens se sente nos debates para as legislativas? E o poder político, não devia dar mais ouvidos a estes movimentos como faz com os sindicatos? A nível europeu, que espaço há para o ativismo?
Para esclarecer todas as questões, o podcast Geração Z, da Renascença, convidou dois jovens que, apesar do trabalho e dos estudos, fizeram questão de nunca deixar o ativismo e a vida cívica de parte.
Inês Franco Alexandre é membro do grupo de reflexão “O Futuro Já Começou”, criado pelo Presidente da República para colocar jovens a discutir temas nacionais e globais relacionados com o futuro. Em janeiro deste ano, lançou em conjunto com mais seis amigos o Coletivo Matéria, uma plataforma criada em plena pré-campanha para as legislativas para apresentar propostas de jovens aos líderes políticos.
Já David Almeida tem o coração dividido entre duas causas: o feminismo e a anticorrupção. Desde 2022, é presidente da secção de Lisboa do movimento HeForShe, dedicado à igualdade de género. Um ano depois, assumiu o desafio de se tornar assistente de projetos na Transparência Internacional Portugal, dedicada à prevenção e à luta contra a corrupção.
Apesar de esta ser a primeira vez que se cruzam numa conversa, não demora muito até chegarem a um consenso: os partidos políticos não se souberam adaptar à forma como os jovens querem e são estimulados a participar na política atualmente.
Inês Franco Alexandre explica que os jovens já não se reveem em ideologias específicas e preferem cada vez mais as causas que defendem. E se as forças políticas pecam por “utilizarem mal as redes sociais” e por optarem por uma “mensagem muitas vezes complexa”, a lista de pontos a melhorar não fica por aí: Inês pede mais transparência nos programas eleitorais.
“Não é nada fácil perceber como é que as medidas vão ser executadas, quais é que são os orçamentos, quais é que são os resultados, como é que vamos avaliar, como é que vamos monitorizar… Os jovens cada vez mais querem ser impactados por causas e por líderes, e não por um caderno de encargos com os quais não se identificam”, defende.
Esta distância, para Inês Franco Alexandre, é evidente nos debates para as legislativas, onde os líderes partidários dedicam mais tempo “a falar sobre o problema do jovem e não sobre a solução para que possamos ter a vida impulsionada de outra forma”.
Soluções? Quotas para jovens e ativismo na concertação social
David Almeida não tem dúvidas de que deputados mais jovens na Assembleia da República aproximariam as gerações mais novas da política – e não vê com maus olhos a inserção de quotas para jovens nas listas para o Parlamento, como atualmente já existe para garantir a igualdade de género.
“Olhamos para um Parlamento e, em 230 deputados, não há muitos jovens e, mesmo os poucos que há, não refletem necessariamente a diversidade daquilo que é a população portuguesa. Isto acaba por desmoralizar os jovens. Eu sou a favor da das quotas relativamente ao género, possivelmente a favor relativamente a outras questões demográficas que são, de facto, relevantes [como a idade]”, detalha.
Inês Franco Alexandre concorda, mas vai mais longe: quer que se abram canais de diálogos diretos entre os movimentos de ativismo e os decisores políticos – por exemplo, equiparando os ativistas a sindicalistas e incluindo-os nas reuniões de concertação social. A cofundadora do Coletivo Matéria reforça que esta é apenas uma de “várias formas para aumentar a participação”, mas realça a urgência de criar um “estatuto legal que coloque as organizações, associações juvenis ou movimentos coletivos dentro do espaço de decisão”.
Literacia para o ativismo: “Precisa-se!”
Sobre os bloqueios de estradas ou destruição de montras de lojas por alguns grupos de ativistas, Inês Franco Alexandre recusa criticar estas ações – considera apenas que estes movimentos devem clarificar as suas intenções para “garantir que não afastam o cidadão comum”.
“O cidadão comum acha que algumas ações estão a prejudicar o seu dia a dia e nós temos de saber dar resposta. Os media chegam ao local e não há ninguém capaz de explicar o porquê de algumas ações. É preciso mais literacia [para a população]. (...) Eu não coloco em causa as ações, mas sim o momento em que elas acontecem.”
E neste trabalho de aproximar a sociedade, David Almeida acredita que os movimentos devem “complementar trabalhos” e “encontrar sinergias” – e, principalmente, estar atentos aos problemas que podem colocar em risco a sobrevivência do ativismo.
“A crise da habitação é uma ameaça profunda a qualquer tipo de ativismo. O ativismo é muito bonito, em teoria, mas, na prática, também tem de ser sustentável - e ninguém fará o ativismo pela cidade de Lisboa se ninguém viver na cidade de Lisboa. Tem de haver este esforço contínuo [de atenção]”, afirma.
Ativismo é a receita para destacar um “projeto para Portugal na Europa”
Seguindo o rasto deixado pelos últimos episódios do Geração Z, da Renascença em parceria com a EuranetPlus, David Almeida destaca a falta de conhecimento sobre a União Europeia como um dos maiores problemas dos jovens na atualidade.
O presidente da HeForShe Lisboa relembra que já há alguns movimentos de ativismo em Portugal que se dedicam às questões da Europa – não só a mobilizar os jovens, mas também a fazer uma avaliação das políticas relacionadas com os 27.
“Não faltam notícias sobre a bazuca europeia e como esses apoios são fundamentais para mobilizar e inovar na nossa economia. É preciso que as forças da sociedade civil destaquem essa importância, [mas que também estejam] atentas à gestão desses fundos. Temos de fazer esse escrutínio e essa avaliação. Não podemos ter um projeto para o país, que não seja um projeto para Portugal na Europa”, remata.