Enquanto a pandemia anda por aí, todos entendemos, mais ou menos profundamente, mais ou menos experiencialmente, as dificuldades acrescidas que sentiram os “outros” doentes. Um dia chegará em que se contabilizem com rigor todas as perdas humanas que tivemos como consequência das barreiras de proteção contra a Covid 19 e que, em muitos casos, significaram muros entre as queixas desses doentes e um diagnóstico atempado e, ainda, a perda de uma arma essencial na medicina moderna que é a prevenção ativa.
Muitos profissionais de saúde falam de uma outra pandemia, mas, como ainda estamos nesta, o seu aviso e apelo parece ter pouco impacto. Uma coisa de cada vez, diríamos, mas é vago e é perigoso. Um caso, certamente não o único, mas um caso alarmante e muito caro (em vidas, em gastos diretos, em perdas económicas indiretas) e particularmente aflitivo, é o que diz respeito aos doentes de cancro.
Com aquela spleen habitual - e triste - no nosso belo país continuamos a falar de Cancro da Mama, no mês de apelo à sua consciencialização, com uma moderação, um desprendimento, uma falta de vigor, que nos envergonham face aos outros países da Europa e ao Brasil, onde edifícios, monumentos, capas de jornais, páginas net..., se pintam constantemente de Rosa no Outubro da memória e do reconhecimento. Também onde as empresas - muitas a operar em Portugal - fazem massivas e extensivas campanhas de alerta e recolhas de fundos ambiciosas, sem receio de estragar o “sonho” publicitário dos seus negócios.
O Cancro da Mama atinge 6.000 mulheres portuguesas POR ANO. Muitas delas já são idosas, é uma espécie de preço genético, a pagar pela biografia extensa, e se as suas vidas não estão imediatamente em risco pela doença, isso em nada diminui o grande custo dos tratamentos, aquele desgaste enorme das cirurgias e da rádio, por exemplo. Mas, dessas 6.000 mulheres, em número dolorosamente crescente são jovens, às vezes muito jovens, sujeitas a intervenções radicais, quimioterapias agressivas e prolongadas e, hoje, graças à investigação multidisciplinar e ao esforço do Sistema Nacional de Saúde, beneficiando de tratamentos inovadores cujo custo astronómico não é apenas financeiro mas o de uns efeitos colaterais que afetam, em muito, a sua qualidade de vida.
Durante estes longos meses de pandemia não pude deixar de pensar nestas doentes, como frágeis Rosas Portuguesas, enfrentando o choque, a ansiedade, a dor, os mil reveses, em condições de grande anomalia. Não significa que a qualidade dos serviços sanitários tenha diminuído – também é preciso verificar isso – mas as condições que cada pessoa precisa para encarar uma das experiências mais radicalmente desafiadoras da sua vida ficaram muito perturbadas pelo medo acrescido, com a necessidade de proteger as unidades de saúde – sem acompanhantes nem visitas –, a impossibilidade de estar com os familiares e os amigos, de dar uma volta às atividades preferidas, de sair de casa em segurança, de conviver... Pequenas coisas que fazem uma gigantesca diferença quando os níveis de ansiedade e os efeitos da doença, e da sua cura, estão em alta.
Uma boa notícia é, certamente, a campanha da Sociedade Portuguesa de Senologia, “Viver depois do Cancro da Mama”, com as suas maravilhosas embaixadoras, Carla Andrino e Joana Cruz, que já estavam aqui pelas mulheres portuguesas, mas agora se afirmaram. Muitas das mulheres atingidas pela doença, e agradecidas pela sua cura, sabem que não basta estar cicatrizada no músculo e na pele, e que as cicatrizes amorosas, psicológicas, neurológicas, motoras, familiares..., são bem mais difíceis de tratar. Saúde-se, pois, com energia e esperança, esta iniciativa de médicos especialistas (e oxalá possa continuar e aprofundar-se, com meios e firmeza) que souberam ver mais longe e colocar-se no papel das suas doentes, as quais, muitas vezes, só desejam uma oportunidade de dizer, com propriedade: “Estou de volta!”.