Abusos na Igreja. Relatório recomenda nova comissão de acompanhamento e dever moral de denúncia
13-02-2023 - 13:27
 • Olímpia Mairos

Entre as recomendações destaca-se a constituição de uma nova “comissão para continuidade do estudo e acompanhamento do tema”, com membros internos e externos à Igreja.

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A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica Portuguesa, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que esta segunda-feira apresentou em Lisboa o relatório de um ano de trabalho, e que incidiu sobre o período desde 1950, deixa um conjunto de recomendações à Igreja e à sociedade em geral para evitar que o abuso de menores se continue a repetir.

IGREJA:

  • Proposta de uma nova Comissão para continuidade do estudo e acompanhamento do tema (multidisciplinar, membros internos e externos à Igreja).
  • Reconhecimento, pela Igreja, da existência e extensão do problema e compromisso na sua adequada prevenção futura.
  • Cumprimento do conceito de «tolerância zero» proposto pelo Papa Francisco.
  • Dever moral de denúncia, por parte da Igreja, e colaboração com o Ministério Público em casos de alegados crimes de abuso sexual.
  • Pedido efetivo de perdão sobre as situações que aconteceram no passado e sua materialização.
  • Formação e supervisão continuada e externa de membros da Igreja, nomeadamente na área da sexualidade (sua e das crianças e adolescentes).
  • Cessação de espaços físicos fechados, individuais, enquanto locais de encontro e prática religiosa.
  • Medidas preventivas eficazes, incluindo «manuais de boas práticas» e «locais de apoio ao testemunho e acompanhamento das vítimas e familiares».
  • Apoio psicológico continuado às vítimas do passado, atuais e futuras (responsabilidade da Igreja e articulação com o Serviço Nacional de Saúde).

SOCIEDADE CIVIL:

  • Necessidade da realização de um estudo nacional sobre abusos sexuais de crianças nos seus vários espaços de socialização.
  • Reconhecimento inequívoco dos Direitos da Criança.
  • Empoderamento das crianças e famílias sobre o tema: o papel da Escola.
  • Aumento da idade da vítima para efeitos de prescrição de crimes.
  • Celeridade da avaliação e resposta do sistema de justiça.
  • Reforço do papel da comunicação social na investigação e tratamento do tema.
  • Aumento da literacia emocional sobre as verdadeiras necessidades do desenvolvimento infantojuvenil, sobretudo no campo afetivo e sexual.

O estudo sobre os abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa recebeu um total de 564 testemunhos e estima, no mínimo, 4.815 vítimas entre 1950 e 2022. A média de idade da vítima no início dos abusos é de 11,2 anos. Algumas das pessoas abusadoras referenciadas ainda permanecem em atividade eclesiástica.

O número de 4.815 vítimas de abusos é estimado a partir dos testemunhos das vítimas validados pela Comissão Independente.

“Em alguns contextos, os abusos tiveram carácter sistémico, isto é, ancoravam-se na estrutura de funcionamento de certas instituições da própria Igreja. Uma atitude clericalista, a ignorância ou a desvalorização dos direitos da criança, o fechamento aos olhares de fora, tudo ditou a perpetuação dos abusos e reforçou o silenciamento das vítimas. O carácter sistémico dos abusos não pode, porém, generalizar-se a toda a Igreja, pois diz respeito a uma minoria percentual da totalidade dos seus membros. Sistémica foi a ocultação desde logo ditada pelos próprios, bem como dos superiormente colocados na hierarquia que deles tiveram conhecimento”, lê-se no relatório.

A comissão destaca o trabalho dos meios de comunicação social para a divulgação do apelo a «dar voz ao silêncio», bem como algum jornalismo de investigação, considerando que se revelaram fundamentais para a adesão de pessoas vítimas ao estudo.

“A visibilidade mediática crescente que o tema foi adquirindo ao longo dos meses contribuiu também, de certa maneira, para a correspondente tomada de consciência por parte de muitos bispos e outros membros da Igreja que, no início dos trabalhos da Comissão, pareciam mostrar-se ainda alheados e distantes do problema”, destaca.

Se foi vítima de abuso ou conhece quem possa ter sido, não está sozinho e há vários organismos de apoio às vítimas a que pode recorrer:

- Serviço de Escuta dos Jesuítas , um “espaço seguro destinado a acolher, escutar e apoiar pessoas que possam ter sido vítimas de abusos sexuais nas instituições da Companhia de Jesus.

Telefone: 217 543 085 (2ª a 6ª, das 9h30 às 18h) | E-mail: escutar@jesuitas.pt | Morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 Lisboa

- Rede Care , projeto da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que “apoia crianças e jovens vítimas de violência sexual de forma especializada, bem como as suas famílias e amigos/as”.

Com presença em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém, Algarve, Alentejo, Madeira e Açores.

Telefone: 22 550 29 57 | Linha gratuita de Apoio à Vítima: 116 006 | E-mail: care@apav.pt

- Comissões Diocesanas para a Protecção de Menores . São 21 e foram criadas pela Conferência Episcopal Portuguesa.

São constituídas por especialistas de várias áreas, recolhem denúncias e dão “orientações no campo da prevenção de abusos”.

Podem ser contactadas por telefone, correio ou email.

Para apoiar organizações católicas que trabalham com crianças:

- Projeto Cuidar , do CEPCEP, Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica

Se pretende partilhar o seu caso com a Renascença, pode contactar-nos de forma sigilosa, através do email: partilha@rr.pt