“Foi uma grande quebra no rendimento”. Empregadas domésticas, vítimas "silenciosas" da pandemia
16-06-2020 - 14:00
 • Rosário Silva

Antes da crise sanitária, Suzana Ferreira, 47 anos, tinha uma casa por cada manhã. De um momento para o outro, ficou sem essa receita.

Aos 47 anos, Suzana Ferreira já leva uma década de experiência a organizar e a arrumar lares. Divorciada, com duas filhas e muitos encargos, apesar de trabalhar num lar de idosos, numa freguesia do concelho de Arraiolos, tormou-se também, por necessidade, numa empregada doméstica.

Antes da crise sanitária, tinha uma casa por cada manhã. De um momento para o outro, ficou sem essa receita.

“Foi uma grande quebra no rendimento”, conta Suzana Ferreira à Renascença. “Agora, é cortar e esticar, esticar, esticar”, desabafa, referindo-se à forma como gere o orçamento familiar.

Os últimos meses, tempos de sufoco, não foram nada fáceis. Ainda assim, reconhece que não deixa de ser privilegiada por poder contar com vizinhos e amigos, mais ainda quando se vive num meio pequeno onde a palavra solidariedade faz parte da vida comunitária.

“Uns dão umas batatas, outros dão umas cebolas, outros uns ovos e é assim que vamos sobrevivendo”, afirma, ao mesmo tempo que lembra “os verdadeiros amigos" que tem e que se conhecem “nestas fases menos boas.”

É entre o apoio dos amigos e uns ajustes no orçamento que Suzana começa a recuperar algumas das casas onde trabalhava, tendo plena consciência de que vai levar muito tempo até regressar à normalidade de tempos recentes.

“Muitos ainda estão em teletrabalho, há senhoras que têm filhos pequenos e eu compreendo perfeitamente que não é fácil conciliar tudo, com crianças em telescola e com menos rendimentos, não permitindo ter uma empregada em casa”, constata.

Os próximos tempos são, por isso, de grandes incertezas, mas Suzana não é de baixar os braços e diz mesmo que “só não trabalha quem não quer”. Veio do Norte, há mais de duas décadas e trouxe consigo a necessidade de se fazer à vida num Alentejo de poucas oportunidades profissionais. A experiência diz-lhe que sem esforço, nada se faz, por isso, vai continuar a enfrentar as dificuldades com determinação, ainda mais quando sabe que há, na área das lides domésticas, “muita gente a passar mal”, em consequência desta crise.

“As pessoas estão desprotegidas, pois há muitas que não fazem, nem querem fazer descontos, pois há logo uma quebra no rendimento”, admite.

“Em vez de ganhar cinco euros numa hora, ganha dois euros e meio. O que são dois euros e meio? Vai ao supermercado e deixa lá esse dinheiro num quilo de fruta”, exemplifica, indignada.

Apesar de a lei regulamentar a profissão, estabelecendo direitos e deveres, a verdade é que muitos profissionais continuam a exercer em condições precárias, o que provoca alguma revolta a Suzana Ferreira.

“Para o Governo é tudo muito giro. Ajudas em quê? Ajudas só para as grandes empresas e o desgraçado do pobre é que fica a penar”, lamenta.