Especialistas defendem aposta numa Prestação Social Única para travar a pobreza
03-10-2023 - 08:04
 • José Pedro Frazão

A pobreza é um quadro persistente em Portugal, com o risco de transmissão geracional que põe em causa o acesso à habitação, saúde ou educação, entre outros bens essenciais. A propósito do documentário "Pobreza Zero - O Futuro a Construir", da Fundação Francisco Manuel dos Santos, o debate chega ao "Da Capa à Contracapa" com o economista Carlos Farinha Rodrigues e Sandra Araújo, coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza.

A coordenadora da Estratégia contra a Pobreza defende o reforço dos apoios sociais a pessoas em situação de pobreza com uma "prestação social única" apontada para 2025. Ouvida no programa " Da Capa à Contracapa" da Renascença, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, Sandra Araújo afirma que é imperioso dar mais dinheiro a quem menos tem.

“Há que fazer transferências para grupos de população que estão mais afetados e, portanto, transferências monetárias que têm que ser reforçadas. O nosso sistema de proteção social tem que ser reforçado para que possa ser mais robusto e retirar as pessoas beneficiárias destas prestações da situação de pobreza. No âmbito da própria Estratégia, está em curso a criação de uma de uma prestação social única. Neste momento, há um estudo que está a ser desenvolvido com o apoio da própria OCDE para em 2025 avançarmos com a prestação social única”, explica a coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, que, ainda este mês, deve apresentar um plano de ação para a implementação do documento até 2030.

Já o especialista em pobreza Carlos Farinha Rodrigues alerta que o reforço dos subsídios tem que ser acompanhado de melhorias na forma como as pessoas são realmente inseridas na sociedade.

“Não excluo, antes pelo contrário, a necessidade de algum reforço dos montantes envolvidos nessas políticas. Mas isso só faz sentido se for acompanhado de medidas para uma efetiva integração dessas famílias. Não é pelo montante que que consome dos recursos da segurança social. O RSI representa 0,1% do orçamento da segurança social. Quando olhamos para esta medida, devemos exigir que ela seja reforçada para ser melhor”, argumenta o professor universitário que assumiu a coordenação científica do documentário "Pobreza Zero - O Futuro a Construir" da Fundação Francisco Manuel dos Santos, a emitir nos próximos dias.

Políticas para além dos subsídios

Farinha Rodrigues diz estar “profundamente convicto” de que é possível erradicar a pobreza, num caminho que, diz o economista, “não é fácil, mas é possível e necessário”. Um milhão e 700 mil pessoas em Portugal vivem em situação de pobreza, ou seja, com um rendimento inferior a 551 euros por mês, de acordo com dados oficiais. A taxa de risco de pobreza desceu dois pontos percentuais, para 16,4% em 2021.

O especialista em situações de pobreza diz que as estatísticas oficiais mostram apenas uma parte do problema e admite que a crise na habitação deixará a sua marca na pobreza em Portugal, a partir dos choques económicos como a pandemia ou a intervenção externa da chamada “troika”.

Farinha Rodrigues encara a pobreza como “um forte handicap” ao funcionamento da economia e apela a um envolvimento de todas as áreas num combate que não deve ficar circunscrito ao ministério da Segurança Social.

“As políticas sociais são essenciais para resolver os problemas imediatos das pessoas. Mas se queremos resolver o problema da pobreza, temos que ter a integração das diferentes políticas públicas. É tão importante a política da habitação como a política de subsídios. Uma assinatura do Ministro das Finanças muitas vezes tem um peso e repercussões maiores que a do Ministro da Segurança Social”, afirma Farinha Rodrigues no programa que debateu formas de acabar com a persistência da pobreza em Portugal.

Combate à economia informal

Uma das medidas pode passar também por um combate à chamada “economia informal”. Os dados académicos mostram que a fração de portugueses a trabalhar fora do sistema pode chegar a 30%.

“Temos que ‘ganhar’ as empresas para isso, o que passa pelo Governo e pela Concertação Social. No fundo, há que fazer com que essas pessoas participem de pleno direito, com todos os direitos e com todos os deveres que lhe estão associados, no mercado de trabalho. É possível reduzir a economia informal de forma substantiva. Muito provavelmente com alguma alteração legislativa e alguma afinação daquilo que já temos, conseguiríamos incluir no mercado formal uma parte significativa dessas pessoas”, acredita Carlos Farinha Rodrigues.

A coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza assinala que já foi possível regularizar as situações laborais de muitas empregadas domésticas em Portugal. “Tivemos um crescimento de quase 70% das trabalhadoras do serviço doméstico que se inscreveram na segurança social quando comparado ao ano de 2022”, adianta Sandra Araújo que sublinha que esta é uma consequência da chamada “Agenda do Trabalho Digno”.

Noutro plano, Farinha Rodrigues adianta a emergência de novos desafios que ajudam a criar situações de pobreza em Portugal, dando o exemplo do “problema muito sério” na transição dos jovens do sistema educativo para o mercado de trabalho.

“Esse é um fator que gera pobreza, insegurança, intranquilidade, que gera, por exemplo, emigração de pessoas altamente qualificadas. É algo novo que é necessário combater”, adianta Farinha Rodrigues que reconhece progressos na qualificação dos portugueses, nem sempre acompanhada da mesma melhoria também no patronato.

" A educação é condição necessária. Eventualmente, pode não ser condição suficiente para travar a pobreza em Portugal”, remata o investigador do Instituto Superior de Economia e Gestão.