Katherine Maher sabe árabe, estudou no Médio Oriente e foi conselheira do Departamento de Estado norte-americano democracia, tecnologia e direitos humanos.
Em entrevista à Renascença, a nova presidente executiva da Web Summit diz que "são poucos os que sabem muito" sobre a região onde se trava uma guerra que indiretamente afastou o seu predecessor.
Nesta entrevista, Maher revelou que as conversas com Lisboa para estender o contrato ainda não foram mantidas. Já as garantias de liberdade de expressão na edição de Fevereiro no Qatar foram prestadas à entrada da cimeira.
Iremos ouvir a CEO da Web Summit, Catherine Maher, fazer declarações sobre o ambiente político? Pergunto-lhe isto porque teve a oportunidade de estudar no Médio Oriente [no Líbano, Egipto e Síria]. Tem uma opinião sobre o que está a acontecer no Médio Oriente?
O importante em viver e estudar no Médio Oriente é reconhecer que há uma enorme quantidade de nuances e que é muito fácil pensar que se é um especialista de cadeirão, mas não é. Não é uma área em que existam muitas pessoas no mundo que tenham esse nível de conhecimentos políticos para poderem emitir uma opinião informada.
Do meu ponto de vista, conheço pessoas em comunidades que são assoladas pela tristeza e pela dor, e penso que a única coisa respeitosa a fazer é reconhecer esse sofrimento. Não estou aqui para fazer uma declaração política. Penso que é absolutamente um direito de qualquer pessoa, como disse no palco na noite de segunda-feira, poder expressar o que pensa. Todos nós temos esse direito e essa liberdade e é isso que faz dos palcos do Web Summit os lugares interessantes que são.
Isso significa que não fará esse tipo de declaração durante sua gestão como CEO?
Penso com muito cuidado nas minhas palavras.
Já percebi que é o que faz com o tipo de questões que estou a fazer.
(risos)
Mas alguns desses tópicos são discutidos. Teve aqui oradores da Bielorrússia, do Kosovo, da Ucrânia, em palco. A guerra e a paz estão no centro deste tipo de discussões na Web Summit. Como vai conseguir equilibrar isto sem ser tão intrusivo em termos de opinião?
Acho que é absolutamente apropriado trazermos pessoas que têm opiniões fortes para os nossos palcos. Eu disse isso quando subi ao palco na noite de segunda-feira. A Web Summit sempre se posicionou como um lugar para ser desafiado e um lugar para desafiar e ter réplica. Por isso queremos ter algumas dessas conversas ativas. Acho que houve uma conversa, por exemplo, sobre regulamentação tecnológica - que não é guerra e paz, a menos que esteja presente nessas discussões - sobre a qual discordei basicamente de algumas coisas que estavam a ser propostas. Mas isso é importante, porque me desafia. Faz-me pensar de forma mais profunda e diferente e força-me a aprimorar talvez alguns dos meus argumentos. A WebSummit deveria ser um lugar onde possamos ter essas conversas com visões diferentes.
Digo ainda outra coisa. Existem elementos de guerra e de paz que são absolutamente influenciados pela tecnologia. E deveríamos ser capazes de trazer essas conversas para o palco. Qual é a utilidade de armamento letal autónomo, por exemplo? O que pensamos sobre o papel dos fornecedores privados de dados de satélite em conflitos? Como podem esses mesmos dados ser utilizados para ajudas humanitárias? Estes são os papéis que a tecnologia desempenha no mundo e são estes os tipos de coisas que deveríamos discutir.
Como lidará com a liberdade de expressão na sua edição da Web Summit no Catar?
É uma ótima pergunta. Obviamente o relacionamento com o governo do Catar existia antes de eu entrar, e agora estou a familiarizar-me com esse relacionamento. Mas uma das coisas que me garantiram é que tivemos essas conversas com o governo do Qatar desde muito cedo e que nos foi garantido que teríamos controlo editorial sobre quem está no palco. E, obviamente, contamos com os nossos parceiros, enquanto governo nacional, para defender esse compromisso. Acho que é isso que torna a Web Summit excelente, ter a capacidade de ter discussões importantes e de as pessoas poderem vir e expressar o que pensam.
Essa é uma linha vermelha para si, ter o controle editorial da Web Summit?
Eu não estava lá quando essas conversas estavam a acontecer , mas foi isso que me informaram que temos, sim.
Está a meio do contrato com Portugal, que termina em 2028. Haverá alguma discussão no curto prazo sobre esta ligação entre a Web Summit em Portugal?
A nossa parceria é com o governo de Portugal, que - serei o primeiro a dizê-lo - é o povo de Portugal.
Vamos mudando de governos.
Sim, claro. Mas ainda é o governo de Portugal, que ainda é o povo de Portugal e o povo de Portugal escolherá quem governa a nação. E essa é vossa escolha. O nosso compromisso é com a parceria com o governo, que é, em última análise, um compromisso e uma parceria com o povo. Adoramos estar em Lisboa. É a nossa casa. Temos agora aqui um escritório.
Segundo me disseram, 99 pessoas trabalham lá. Não sei porque não são 100, mas são 99 pessoas que trabalham lá, entre portugueses, irlandeses, de outras nacionalidades também. Há muita energia na nossa presença aqui em Portugal e estamos ansiosos por continuar esse relacionamento nos próximos anos.
Mas anteriormente a discussão era sobre a expansão deste local. 70.000 pessoas provavelmente está nos limites físicos do Web Summit aqui. Está a tentar colocar como condição o alargamento do local para a Web Summit em Lisboa?
Bem, comecei há 14 dias. Uma das coisas que pedi à equipa é que façamos uma pausa nessas conversas até que os trabalhos estejam fechados na Web Summit. Estou ansiosa para conversar com a minha própria equipa e decidir como procederemos em termos de quaisquer conversas sobre as nossas esperanças e aspirações quando chegar a hora de olharmos novamente para esse contrato
Sabe alguma palavra em português?
(risos) Sei " Bom Dia"... (risos)... sei "Obrigada" ! Obrigada por me receber hoje aqui.
E já provou alguma comida portuguesa por um momento?
Sim. Comi pastel de nata, claro, foi a primeira coisa que provei quando vim para Portugal. Sei que bebi vinho português e foi fantástico. Tive a oportunidade de provar algumas de todas as variações de bacalhau que existem na culinária. Tem sido maravilhoso.
Estará aqui todos os meses? Todas as semanas? Qual será a sua rotina em Lisboa? Iremos vê-la por aí em Lisboa?
(risos) Bem, sabe, vim a Lisboa pela primeira vez em 2006 e lembro-me de ter pensado na altura que adoraria viver aqui (risos)
Está a planear fazê-lo?
Bom, a Web Summit é a Web Summit, o que significa que tenho uma casa de modo indireto em Lisboa. Acho que tudo isso é uma espécie de conversa para o futuro. Mas certamente estou entusiasmada por poder passar mais tempo em Portugal. Talvez até me ensinem a surfar.