Veja também:
As autoridades francesas começaram a desmantelar o acampamento ilegal de Calais, conhecido como "A Selva", mas dentro de meio ano os migrantes estarão de volta porque o seu objectivo é seguir para o Reino Unido, afirma Ana Gomes em entrevista à Renascença.
A eurodeputada socialista liderou, em Julho, uma missão do Parlamento Europeu àquele local onde se encontram milhares de refugiados.
Em entrevista à Renascença, critica as cedências do Governo francês ao populismo da extrema-direita e diz ser fundamental eliminar as redes ilegais de passadores e criar corredores que permitam o fluxo de refugiados.
Visitou recentemente Calais. Que conclusões tirou?
“Eu estive em Julho passado em Calais, liderando uma missão da comissão de liberdades cívicas, justiça e assuntos do Parlamento Europeu, e percorri as ruelas do ‘bidonville’ que é a “Selva” e visitei ao lado uma outra situação completamente diferente de que ninguém fala. Aí o presidente da Câmara percebeu que era preciso lidar com humanidade com o problema dos refugiados e migrantes que querem passar para a Grã-Bretanha. Arranjou um terreno, instalou as pessoas em condições decentes, facilitou a entrada de organizações não-governamentais para dar apoio. Portanto, não há nenhum problema nesta terra ao lado de Calais, que se chama Grand Saint. Em Calais, onde há uma presidente de Câmara reaccionária, de direita, hostil à presença de refugiados, é que há problemas”.
François Hollande deixou-se enredar por essas ideias que denuncia?
A verdade é que em Calais o que funciona são as redes de passadores que estão perfeitamente activas ali, como em toda a Europa. Os governos europeus não abrindo vias legais e seguras para requerentes de asilo ou mesmo para migrantes poderem fazer os seus pedidos para terem acesso ao território europeu, estão obviamente a alimentar as redes de traficantes.
O foco deveria ser essa rede de traficantes?
Obviamente que sim. Enquanto nós mantivermos essas redes legais e seguras, as vias ilegais de traficantes prosperam. Todos os migrantes e refugiados com quem falei em Calais sabiam e diziam-me: ‘É uma questão de tempo, é uma questão de dinheiro; mais dia, menos dia eu vou passar’.
As pessoas continuam a perder a vida e Calais vai-se reconstituir. Hoje o Governo francês vai desmantelar e daqui a seis meses temos outra “Selva” em Calais. Fala-se que estão cerca de 1.300 crianças não acompanhadas em Calais. Eles vão ficar dispersos por toda a França durante um determinado tempo, mas hão-de voltar-se a reunir ali onde é mais perto para poderem passar para o Reino Unido. Não tenho a mais pequena ilusão de que o desmantelamento pretendido pelo Governo, daqui a seis meses, tudo voltou à estaca zero. E isto não vai acabar.
Daqui a seis meses, o Governo francês irá voltar a investir até porque se aproximam eleições legislativas?
Eu penso que o Governo francês, infelizmente, tem vindo atrás do discurso da retórica xenófoba dos partidos da extrema-direita e da Frente Nacional e, com o aproximar das eleições, sabemos como os Governos, inclusive mesmo os ditos socialistas, acabam por seguir essa retórica.