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Duas semanas depois do estado de emergência devido à pandemia de coronavírus, os tribunais mantêm-se de portas abertas para casos urgentes. No entanto, há uma bola de neve que se está a formar. “A ideia não é nada animadora. Há entre cinco a sete mil julgamentos e diligências adiadas. Fizeram-se centenas de outros, mas isto vai criar uma bolha de processos”, revela Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), em declarações à Renascença.
A associação de juízes está, por isso, já a trabalhar numa proposta à crise provocada pela Covid-19. “Vamos propor um mecanismo especial de recuperação de pendências. Não faz sentido existirem férias judiciais de verão e estamos a estudar proposta para realocar recursos em processo mais urgentes numa fase inicial”, avança Manuel Ramos Soares.
Os juízes dividem-se nesta altura entre o trabalho em casa e as deslocações ao tribunal. “Cerca de mil juízes foram aos tribunais presencialmente nas últimas semanas fazer diligências. Houve centenas de atos realizados. É relevante dizer que na maioria as pessoas compareceram à chamada”, explica o presidente da ASJP, que garante tem havido medidas de proteção: “separação das pessoas, medidas de higienização, videoconferência e redução de pessoas presentes em tribunal.”
Em declarações à Renascença, Manuel Ramos Soares lamenta que “os funcionários não tenham acesso a sistema remoto, o que implica que estejam fisicamente em tribunal a dar andamento ao trabalho dos juízes e não só”.
Os tribunais abertos e a trabalhar em processo com presos, com menores, internamentos compulsivos, mandados de detenção europeus, etc...
“Não há máscaras, gel ou luvas. Magistrados estão por sua conta e risco”
Também os procuradores têm trabalhado à distância e fisicamente nos tribunais. António Ventinhas, presidente do SMMP, lamenta que “a preocupação com o andamento dos processos não é acompanhada da mesma preocupação relativamente às condições de proteção e segurança de quem desempenha funções nos tribunais”.
Em declarações à Renascença, acusa a Procuradora-Geral da República de preocupação meramente estatística relativamente ao trabalho do Ministério Público e processos despachados, sem acautelar medidas de proteção aos magistrados.
“Não há máscaras, gel ou luvas, não há sistemas de proteção para os funcionários que atendem cidadãos. Há muito por implementar”, denuncia, “as desinfeções de salas de audiência e instalações nunca existiram”.
Para não comprometer a realização de diligências urgentes, afirma António Ventinhas, “os magistrados estão a comprometer-se” e a trabalhar por sua “conta e risco”.
“Todos os processos urgentes são para tramitar, e se possível também outros devem ter andamento. Está a fazer-se mais do que se tramita em férias judiciais e foram essas as últimas ordens dadas pela PGR e Conselho Superior do Ministério Público”, sublinha.
Há muitos procuradores ainda nos tribunais. “Muitas diligências presenciais a serem realizadas: área da família e menores, violência doméstica, processos com arguidos presos. Muitos dos procuradores que estão em casa em teletrabalho estão mesmo assim a ir aos tribunais buscar processos”, sublinha o presidente do SMMP.
Esta semana, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público vai fazer chegar à ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, uma reclamação sobre as condições de trabalho destes profissionais.
“Orientações pouco claras”. Até 30 pessoas a trabalhar presencialmente
Fernando Jorge, representante sindical dos Funcionários Judiciais, lamenta que as ordens de trabalho mudem muito de comarca para comarca conforme a interpretação legal.
“As orientações que foram sendo dadas foram pouco claras, houve situações em que iam trabalhar 20 a 30 pessoas. Na verdade, os tribunais têm de estar abertos, mas com o mínimo de pessoas para serviço urgente. O que se está a obrigar a fazer a muitos funcionários é que trabalhem em processos também não urgentes e isso é perfeitamente inaceitável”, afirma.
Fernando Jorge considera que “o legislador não foi claro na suspensão dos prazos. Equiparou este período a férias judiciais, mas não é o que acontece. Numa situação destas devem ser suspensos os prazos e os atos processuais não urgentes”.
Nesta altura há pelo menos dois funcionários judiciais e duas procuradoras do Ministério Público infetados com Covid-19.