A nova etapa da visita do Papa ao Canadá iniciou-se esta quarta-feira no Québec. Francisco foi recebido pela Governadora Geral, Mary Simon, e pelo primiero-ministro, Justin Trudeau. No encontro que se seguiu, com as autoridades civis, representantes das comunidades indígenas e o corpo diplomático, Francisco renovou o “pedido de perdão” pelo mal que tantos cristãos cometeram contra as populações indígenas, e alertou para as novas formas de “colonização” a que é preciso estar atento.
"Se outrora a mentalidade colonialista impôs modelos culturais pré-estabelecidos, hoje não faltam colonizações ideológicas que afrontam a realidade da existência, sufocam o apego natural aos valores dos povos, tentando desenraizar as suas tradições, a história e os laços religiosos”, afirmou.
Para o Papa, trata-se de uma nova “mentalidade” que tem “a presunção de ter superado as páginas negras da história” e “abre espaço à cultura do cancelamento, que avalia o passado com base apenas em certas categorias atuais”.
E prosseguiu: "assim se estabelece uma moda cultural que uniformiza, torna tudo igual, não tolera diferenças e concentra-se apenas no momento presente, nas necessidades e direitos dos indivíduos, negligenciando muitas vezes os deveres para com os mais débeis e frágeis: os pobres, os migrantes, os idosos, os doentes e os nascituros”, que “nas sociedades do bem-estar” acabam por ser “descartados como folhas secas para queimar”.
Inspirado pelo símbolo da árvore presente na bandeira do Canadá, Francisco considerou que é preciso seguir exemplo dos indígenas que “têm tanto para nos ensinar sobre a guarda e a tutela da família”, e também sobre o respeito pela natureza e a construção de uma sociedade “não uniformizada”. Porque “como cada folha é fundamental para enriquecer a ramagem, assim também cada família, célula essencial da sociedade, há de ser valorizada. O futuro da humanidade passa pela família”.
Dizer “não” ao ódio
O Papa lembrou que os grandes desafios da atualidade - como a paz, as alterações climáticas, os efeitos da pandemia e as migrações – “são globais, afetam a todos”, e exigem respostas políticas que não estejam “prisioneiras” de interesses particulares.
“É preciso saber olhar – como ensina a sabedoria indígena – para as gerações futuras, e não para as conveniências imediatas, prazos eleitorais ou apoio dos lóbis. É preciso também valorizar os desejos de fraternidade, justiça e paz das jovens gerações”, afirmou.
Olhando para presente e futuro, lembrou que a paz que não se constrói com armas. "Se se quer viver, não se deve odiar, nunca. Não precisamos de dividir o mundo em amigos e inimigos, manter as distâncias e voltar a armar-nos até aos dentes: não será a corrida ao armamento nem certas estratégias de dissuasão que trarão paz e segurança". E acrescentou: não há necessidade "que os povos voltem a ser reféns das guerras frias que se prolongam.", mas "são precisas políticas criativas e com visão de futuro, que saibam dar resposta aos desafios globais”.
O Papa agradeceu a generosidade do Canadá, que acolheu “numerosos migrantes ucranianos e afegãos”, mas lembrou que ainda é preciso “superar a retórica do medo a respeito dos imigrantes". E não esqueceu as desigualdades sociais.
“Nestes dias, ouvi falar de numerosas pessoas necessitadas que batem à porta das paróquias. Mesmo num país tão desenvolvido e avançado como o Canadá, que presta muita atenção à assistência social, não são poucos os sem-abrigo que dependem das igrejas e dos bancos alimentares para receber ajudas e agasalhos”, sublinhou, considerando que é urgente trabalhar para “pôr fim à radical injustiça que polui o nosso mundo”, onde “a abundância dos dons da Criação está repartida de forma muito desigual.”.
“É escandaloso que a riqueza gerada pelo progresso económico não beneficie todos os setores da sociedade. E é triste ver que se registam, precisamente entre os nativos, muitos dos índices de pobreza, a que se vêm juntar outros indicadores negativos, como a baixa frequência escolar, e as dificuldades de acesso à habitação e à saúde”, sublinhou.
O Papa agradeceu, no entanto, o “louvável esforço local a favor do meio ambiente”, num país como o Canadá, que tem uma verdadeira “vocação ecológica”. E deixou o convite a que todos se deixem “atrair pelos saudáveis valores presentes nas culturas indígenas”, sempre “atentas à salvaguarda da terra e do meio-ambiente e fiéis a uma visão harmoniosa da Criação”.
“Obrigada por ter vindo de coração aberto”
Antes do discurso do Papa Francisco, e depois do encontro que mantiveram em privado, o primeiro-ministro Justin Trudeau falou das investigações que provaram como gerações de indígenas foram alvo de abusos e maus tratos, com os quais a Igreja católica foi muitas vezes conivente. Mas, elogiou o empenho do Papa no processo de reconciliação, sublinhando que o pedido de perdão que Francisco apresentou teve um “enorme impacto”.
Trudeau garantiu que irão continuar a trabalhar juntos para “manter a esperança acesa” , e agradeceu a visita do Santo padre. “Obrigada por ter vindo de coração aberto”, afirmou.
Também a Governadora Geral do Québec, Mary Simon, o esforço do Papa, assim como a todos os canadianos que responderam ao apelo da reconciliação, e estão empenhados em apoiar os sobreviventes das chamadas ‘escolas residenciais’.