O ex-embaixador norte-americano em Lisboa Robert Sherman alerta que a liderança dos Estados Unidos no mundo ficaria em risco com Donald Trump na Casa Branca, potencialmente interrompendo uma longa relação de Washington com os seus aliados.
"Uma eleição de Trump seria muito preocupante para as alianças dos Estados Unidos", segundo o antigo diplomata de 70 anos, indicado pelo ex-presidente democrata Barack Obama para a capital portuguesa entre 2014 e 2017, e implicaria a suspensão de "uma política ininterrupta, quer seja democrata ou republicana", de Washington em relação aos seus parceiros internacionais.
Para Sherman, atual professor da licenciatura de Filosofia, Política e Economia da Universidade Católica Portuguesa, aquela doutrina, que um regresso de Trump à Casa Branca ameaça romper, envolve o pressuposto de que "as alianças dos Estados Unidos são importantes para a segurança do mundo".
Como exemplo, elenca o artigo 5.º do tratado fundador da NATO, respeitante à defesa mútua e que prevê que qualquer ataque contra um estado-membro será uma agressão contra todos, e recorda que foi invocado apenas uma vez, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 da Al-Qaeda em Nova Iorque e Washington.
O candidato republicano às eleições presidenciais de novembro, onde voltará a defrontar o atual Presidente, o democrata Joe Biden, avisou os aliados da NATO que, se for reeleito, após o mandato que exerceu entre 2016 e 2020, encorajaria a Rússia a fazer o que entendesse em relação a países com dívidas à organização, palavras que provocaram inquietação e mereceram fortes críticas dos estados-membros da Aliança Atlântica.
O antigo diplomata em Lisboa que fez a maior parte da sua carreira profissional como advogado em Boston e que prefere centrar os seus comentários na análise aos riscos de Trump sem comentar diretamente as políticas do Departamento de Estado, observa que os sucessivos episódios do antigo presidente norte-americano em relação à NATO provocam "nervosismo entre os aliados", registando palavras nesse sentido do chefe da diplomacia britânica, David Cameron, quando disse que a organização transatlântica e o AUKUS (aliança dos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália) terão de estar "na sua melhor forma" caso o republicano volte à Casa Branca.
Mais recentemente, Trump afirmou que não tenciona abandonar a NATO, perante sinais de "preocupação relativamente a um desmembramento da Aliança", mas manteve a sua posição de que esperava que os estados-membros pagassem a sua parte, em concreto o compromisso reiterado na última cimeira da organização, em julho em Vílnius, de usarem 2% do PIB das respetivas despesas em defesa e equipamento militar.
Robert Sherman enquadra este tipo de declarações no perfil "empresarial num mundo que não é necessariamente assim" do antigo Presidente republicano, apesar de vários países europeus, incluindo a Alemanha, estarem a reforçar os seus orçamentos em defesa e de coletivamente os membros europeus da Aliança perfazerem os 2% acordados.
A sete meses das eleições norte-americanas, a Ucrânia enfrenta dificuldades de armamento e de munições para conter os avanços das forças de Moscovo nas frentes leste do país, quando o Congresso norte-americano mantém bloqueado um pacote de ajuda militar a Kiev de mais de 55 mil milhões de euros devido à oposição da ala radical dos republicanos, controlada por Trump.
Tudo somado, para o ex-embaixador e atual docente universitário, a eleição de Trump e um esvaziamento do papel da NATO "deixaria o mundo numa posição muito mais arriscada e o mesmo se passa com o AUKUS" e o seu objetivo de "reforçar a Austrália como parceiro no Pacífico".
Também diminuiria, avisa, o papel de dissuasão desta parceria em relação à China, a par da "mensagem enviada pelo Japão, Filipinas e Coreia do Sul junto do líder chinês, Xi Jinping, de que não são apenas os Estados Unidos que têm uma forte aliança" em caso de ação de Pequim contra Taiwan.
"Se também esta se desmoronar devido a Donald Trump, vamos assistir a uma China muito mais aventureira, o que vai provocar instabilidade global", prossegue Sherman, insistindo que "se trata de uma grande preocupação", acrescida pela ausência de alternativa ao papel que os Estados Unidos desempenham.
"Penso que é claro que o mundo olha para os Estados Unidos em busca de liderança no mundo. Que outro país é suficientemente forte para assumi-la?", questiona, dando o exemplo de Joe Biden, após a invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022, "ao contactar todos os aliados da NATO para que se juntassem numa resposta uniforme".
Para lidar com o Presidente russo, Vladimir Putin, "é preciso que os Estados Unidos desempenhem o papel que mais ninguém possui", reforça, a que se junta o seu "sistema de armamento mais sofisticado que existe".
No conflito do Médio Oriente, Robert Sherman critica igualmente a narrativa republicana, ao sugerir que "os apoiantes dos democratas odeiam Israel e que os judeus que apoiam os democratas também odeiam Israel".
Ao fazê-lo, adverte, está-se a enveredar por "afirmações profundamente divisórias e ofensivas", atacando pessoas que acham que podem apoiar Israel, mas não o Governo de Telavive na ofensiva contra o movimento islamita palestiniano Hamas na Faixa de Gaza, que já provocou mais de 30 mil mortos, na maioria mulheres e crianças, do mesmo modo que se pode ser norte-americano e criticar a sua administração.
"Eu sou um judeu americano. Não falem comigo sobre como exerço as minhas crenças", avisa Robert Sherman, que foi indicado em 2013 por Barack Obama para o Conselho do Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, ressalvando: "Isso não significa que não estejamos preocupados ou que não amemos o nosso país, e aquela declaração foi particularmente ofensiva".
Do mesmo modo, defende que se deve censurar o Hamas pelo ataque terrorista que executou em solo de israelita em 07 de outubro do ano passado, massacrando mais de 1.100 civis e levando acima de 200 pessoas como reféns, e que motivou a atual guerra na região e a resposta de Israel: "Mas a que custo?"
Como consequência imediata do conflito, o antissemitismo está a aumentar em todo o mundo, e também nos Estados Unidos, e "alimenta-se deste tipo de perceções", assinala o antigo embaixador, observando que, nesta fase "é preciso alguém que una e não é claramente isso que Donald Trump vai fazer".