O período que Portugal atravessa é único e para muitos deixa grandes dúvidas sobre os seus direitos e obrigações profissionais. Pode um trabalhador ser obrigado a tirar férias durante o período de isolamento social? Se o um elemento do casal está em casa em regime de teletrabalho, o outro pode tirar licença para acompanhar um filho menor?
A especialista em Direito de Trabalho, Rita Garcia Pereira, responde a algumas das principais dúvidas dos ouvintes e leitores da Renascença.
Hugo Noronha, de 19 anos, foi enviado para casa do seu emprego numa cadeia internacional de cafés e pergunta se irá receber o seu ordenado por inteiro no final do mês.
Das duas uma, ou a empresa em causa – porque não se enquadra na classificação daquelas que estão autorizadas, com a resolução do Conselho de Ministros, a estarem abertas – decreta o lay-off, o que pode fazer por mera comunicação (neste momento temos dois lay-offs vigentes, o tradicional e o que foi criado agora justamente por causa desta pandemia), ou então ao trabalhador terá de ser paga a integralidade do ordenado, com exclusão, eventualmente, do subsídio de refeição, se for o caso.
Leonor Santos pergunta o que acontece a quem não tem filhos, nem férias para tirar, mas fica em casa por encerramento da empresa? Aplica-se o mesmo?
Exatamente.
As portarias que regulamentam os novos procedimentos têm de ser enquadradas com a declaração do Estado de emergência e a subsequente resolução do Conselho de Ministros. Para todas as empresas que não estejam autorizadas a laborar nos termos da citada resolução, das duas uma, ou aceitam que os trabalhadores fiquem em casa, descontando apenas o subsídio de alimentação e, eventualmente, outras componentes retributivas que dependam da prestação efetiva de trabalho – como a isenção de horário de trabalho – ou em alternativa decretam o lay-off.
Vânia Paranhos de Leiria, é esteticista e tem uma filha pequena. Pergunta que ajuda pode ter do Estado, sendo trabalhadora independente.
Até ao final do mês de março será emitido um formulário pela Segurança Social através do qual pode requerer o apoio para trabalhadores independentes, que tem como limite máximo 483 euros por mês, mas tem de demonstrar que não teve atividade nesse período.
Uma ouvinte que pede para não ser identificada diz que trabalha como educadora de infância numa IPSS e foi-lhe comunicado que teria de tirar 12 dias úteis de férias com carácter obrigatório. “Disse por carta que não concordava e ofereci-me para trabalhar em qualquer resposta social, inclusivamente na limpeza. Não foi aceite. Informaram-me que se me apresentasse ao trabalho não me deixariam entrar. Estou em casa e solicitei teletrabalho, enviando carta e documentos que estou a produzir em casa e que fazem parte das minhas competências. O teletrabalho foi recusado, alegando que não se enquadra na minha profissão. Continuo em casa a fazer avaliações e trabalho burocrático. Posso ser obrigada a tirar férias?”
Não pode.
Pese embora esta altura difícil, não se alterou o normativo legal, que diz que as férias sem acordo do trabalhador só podem ser marcadas entre 1 de maio e 31 de outubro, o que não se aplica.
Ou seja, ou há acordo, ou não pode haver a marcação imposta de férias, incluindo para atividade específica desta ouvinte, que tem vários instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis, e como tal, para além disto, para não ser aceite o teletrabalho, teria de ser demonstrado que não consegue desempenhar as suas funções à distância.
Dito isto, o que poderá fazer – quando o país voltar à normalidade, porque neste quadro é impossível – é dirigir a sua denúncia aos serviços da autoridade para as condições do trabalho. Mas esta situação não está de todo em conformidade com a lei.
Outro leitor pergunta se num casal com filhos menores de 12 anos, um dos progenitores pode pedir licença para acompanhar os filhos, estando o outro em teletrabalho?
Pode.
Quem está em teletrabalho não está livre para tomar conta das crianças, ou seja, deve prestar exatamente as mesmas funções nos horários que foram acordados. O que significa que a pessoa mantém o vínculo em vigor e mantém as obrigações em vigor, e como tal o tempo de trabalho não deve ser usado para tratar das crianças.
Em consequência disso o outro cônjuge, ou a pessoa que vive em economia comum, pode perfeitamente recorrer à licença de acompanhamento de filho menor.
Um outro leitor que pede para não ser identificado pergunta como é que os trabalhadores independentes comunicam falta justificada para acompanhamento de filho menor de 12 anos a uma entidade patronal?
Os trabalhadores independentes, os verdadeiros trabalhadores independentes, não têm faltas. Ou seja, não há controlo de assiduidade para trabalhadores independentes. Por isso podemos estar aqui perante um falso recibo verde.
Como pode comunicar a sua ausência? Por qualquer meio que esteja ao seu alcance, sendo que neste momento estão obviamente desaconselhadas o envio de cartas registadas, portanto por email, etc., enviando o comprovativo do motivo da sua ausência.
A Maria de Fátima Piedade escreve do Algarve. Trabalha numa cafetaria de um centro de saúde e emergência médica. “Tenho contrato de seis meses, estou a trabalhar há um mês e meio, chegámos a um acordo de ficar de férias durante duas semanas. Entretanto o meu chefe ligou-me hoje a informar que não tenho direito a férias, porque o meu contrato ainda está no início e que teria de dar uma resposta até ao final do dia de amanhã se me ia apresentar ou não, e caso não me apresente é considerado falta injustificada e posso ser despedida. Tenho direito a algum apoio?
Este bar específico justamente por estar num estabelecimento especializado, pode manter-se em funcionamento e pode ser-lhe exigida a prestação de trabalho.
Dito isto, é verdade que não tem ainda tempo de contrato suficiente para ter direito a férias, mas nada obsta que as suas férias possam ser antecipadas. E portanto, que as férias a que teria direito no final do contrato possam ser gozadas imediatamente.
Se o empregador não aceitar, a única possibilidade que tem é, explicando o risco de contágio, conseguir a declaração de quarentena, justamente por estar em contacto com pessoas que eventualmente possam ter o vírus. Mas apenas isso, porque efetivamente, se não se apresentar e se não tiver uma declaração médica que justifique as ausências, está a incorrer em faltas injustificadas e pode vir a ter um processo disciplinar atendendo ao seu despedimento.
Isabel Silva, assistente operacional numa unidade hospitalar, coloca uma questão semelhante. Ela reside com a mãe de 80 anos e quer saber se existe possibilidade de ficar em casa, uma vez que a mãe está no grupo de risco, não só pela idade mas também porque é asmática.
Remete para a resposta anterior. Ou consegue a declaração médica, ou, tendo em conta o tipo de estabelecimento onde trabalha, vai ter de se apresentar, caso não seja aceite uma eventual sugestão de teletrabalho.
Note-se que em tudo isto que estou a dizer, estou a partir do pressuposto que é obrigatório estarem cumpridas as condições mínimas de segurança destes trabalhadores, incluindo material de proteção.
Maria Elisa Silva Gonçalves diz que só tem um pulmão, mas não lhe foi concedida baixa. “O que acontece? Vou para casa e não ganho?”
Esta pessoa é claramente um dos casos que devia estar de quarentena. Ou o estabelecimento onde trabalha tem de encerrar a partir desta quinta-feira, e se for o caso o problema está resolvido, ou se não tiver que encerrar, ou tem a declaração médica – e nem consigo perceber como é que não a tem – ou então terá necessariamente de se apresentar também.
Por fim, um leitor que pede para não se identificado pergunta se em regime de teletrabalho os patrões podem exigir a mesma produtividade que antes.
É uma questão engraçada, mas vamos por partes. O legislador português praticamente ignora a produtividade. Há uma norma que permite o despedimento por reduções anormais de produtividade, mas é muito raramente usada, e ainda para mais em circunstâncias excecionais como aquelas em que estamos, muitos de nós a trabalhar com filhos em casa...
A resposta é que não creio que algum tribunal considerasse que haveria qualquer problema num vínculo se um trabalhador não executar as funções com exatamente o mesmo grau de produtividade anterior.
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