Podia ter sido esta terça-feira, mas não foi. Apesar da ordem de despejo, Alcina Lourenço, o marido e o pai puderam ficar depois uma mobilização solidária que aconteceu em frente à sua habitação, na zona de Arroios, em Lisboa. No local encontravam-se entre 25 e 30 pessoas, incluindo jornalistas.
A ação de despejo, decretado pelo tribunal, estava agendada para as 15h00. Quando duas viaturas da PSP apareceram na rua, pelas 15h30, depararam-se com um ajuntamento de pessoas para impedir o despejo. Não foi feita nenhuma tentativa para entrar no apartamento e retirar a família.
“Face à grande mobilização solidária, os agentes de execução e da polícia acabaram por sair do local sem concretizar o despejo”, foram as palavras de Rita Silva, investigadora e ativista dos movimentos "Vida Justa" e "Casa para Viver", que se encontrava à porta do prédio onde vive Alcina.
“No entanto, este despejo pode vir a acontecer a qualquer momento ou nos próximos dias”, advertiu.
A ativista acrescentou que esta família se recusa a sair do apartamento “enquanto não tiver uma alternativa habitacional” e uma “renda compatível com os seus rendimentos”.
Querido, tiraram-nos a casa!
O movimento Vida Justa apela para o fim da suspensão dos despejos, medida que entrou em vigor durante a pandemia. “Nós queremos medidas concretas. Uma delas é a suspensão de todos os despejos. As pessoas não têm alternativa, nem no mercado, nem resposta pública”, explica Rita Silva.
Rita Silva afirma que o número de despejos está a aumentar, e com isso cresce também o número de famílias que não têm uma alternativa habitacional – como é o caso desta família, que, de acordo com a investigadora, “procurou anos e anos para ter acesso a uma outra habitação, uma renda que conseguisse pagar. Procurou junto da Câmara e da Santa Casa [Misericórdia]. Não há ninguém que lhe desse a mão”.
A Agência Lusa contactou a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A instituição indica que está a “acompanhar a situação do agregado em causa” e que procurou encontrar “uma solução de resposta de emergência, perante a iminência da execução da ação despejo”.
“A Santa Casa procurou ainda sensibilizar a família para a importância da procura ativa de alternativas habitacionais, mostrando total disponibilidade na ajuda a esse processo, ao qual o agregado não se mostrou recetivo, aludindo ter uma rede de apoio de familiares e amigos que o ajudariam nessa resposta. A Santa Casa colocou ainda a hipótese à família de uma eventual resposta de ERPI [Estrutura Residencial para Pessoas Idosas] para a pessoa mais idosa do agregado, que foi recusada pela senhora Alcina”. Declarações da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa à agência Lusa.
Confrontada com esta resposta, Rita Silva considerou que a solução da Santa Casa “não é digna”, uma vez que separa a família. “Despejar uma pessoa num lar não é uma solução. Eles querem é uma casa e uma renda que possam pagar.”
Fonte da Câmara Municipal de Lisboa, também contactada pela Lusa, que o rendimento deste agregado familiar se enquadra nos “requisitos elegíveis para uma candidatura ao subsídio municipal ao arrendamento acessível”, cujo prazo de candidatura decorre até 16 de outubro. “Ao abrigo desse mecanismo, a Câmara paga o valor correspondente ao gasto com a renda acima de uma taxa de esforço de 30% do rendimento”.
Alcina, o marido e o pai desta vivem num T4 em Arroios. O pai movimenta-se numa cadeira de rodas.
Rita Silva sublinhou que o movimento Vida Justa exige “o fim de todos os despejos sem alternativas dignas”. À Renascença, a representante do movimento já tinha dito que considera ineficazes as medidas pela habitação implementadas pelo governo.
Após a segunda manifestação pela habitação, que ocorreu de norte a sul do país no dia 30 de setembro, o movimento Vida Justa tem marcada a Manifestação por uma Vida Justa, no 21 de outubro, às 15h, do Rossio a São Bento, em Lisboa.