"Estamos aqui sentados e nenhum de nós sabe realmente o que aconteceu em Tancos. Isto é tudo tão ridículo como é não sabemos sequer se são armas de alta precisão ou se são, de facto, armas obsoletas. Não sabemos sequer se houve um roubo, não é? Neste momento não sabemos nada. Isso é que é grave: ao fim de dois meses não sabermos nada”, é a perplexidade manifesta pelo jurista Nuno Botelho, no Conversas Cruzadas.
O ministro da defesa vai esta segunda-feira ao Parlamento explicar-se. Por iniciativa do PSD e CDS terá lugar um debate de actualidade sobre "o alegado furto de Tancos". "Alegado furto".... Assim mesmo na designação original. O debate desta segunda-feira será tudo menos prolongado. Cada partido tem só 5 minutos para fazer as perguntas e, por seu turno, o ministro Azeredo Lopes disporá de 6 minutos para esclarecer os deputados.
Na sequência da entrevista do ministro ao DN/TSF em que o ministro admitiu "no limite pode não ter havido roubo de armas", o CDS pediu a demissão de Azeredo Lopes e o PSD exigiu responsabilidades ao governo. Tancos foi um dos temas na análise semanal do Conversas Cruzadas.
Também o professor universitário Luís Aguiar-Conraria diz que este caso de Tancos encerra elementos preocupantes. “Aqui o que, de facto, me choca é o que está a ser dito, o 'não se sabe o que é' para, eventualmente, dizer que exagerámos no alarmismo. Não. Não. O verdadeiro alarme é não se saber o que é. Isto é chocante”, resume o economista.
Já na análise de Manuel Carvalho da Silva, sociólogo, são várias as ingenuidades neste caso. "O acontecimento de Tancos foi colocado cá fora por um protagonista ou pela conjugação de vários actores na construção desse facto com contornos de ser um ‘gravíssimo problema’. Isto foi colocado assim cá fora. Acho que houve múltiplas ingenuidades por parte dos órgãos de poder e, desde logo, da instituição militar e não se pode deixar de ir até aí", diz.
Pedrogão: três meses depois
O grande incêndio de Verão iniciado em Pedrogão que, a 17 de Junho, ceifou 64 vidas, foi outro dos temas da emissão. A tragédia entrou para o top 10 dos incêndios florestais mais graves em todo o mundo, mas Pedrogão e um verão de fogos descontrolados em todo o país não provocaram qualquer baixa política.
Esta semana, o comandante nacional da protecção civil, Rui Esteves, foi afastado do cargo, não pela condução do combate às chamas, mas por causa da sua licenciatura: em 32 disciplinas, apenas fez exame a 4 delas.
Nuno Botelho, empresário e líder da Associação Comercial do Porto, diz não perceber como é que, três meses depois da calamidade, a ministra Constança Urbano de Sousa continua no cargo.
"Vivemos uma calamidade em estado puro este Verão. Vimos o país a arder de forma desordenada e descontrolada sem nada acontecer no plano das responsabilidades. Não compreendo que a ministra continue em funções e quem se demite e quem é demitido, ou se demite, é o comandante operacional da protecção civil Rui Esteves. Mas, demite-se não por incompetência, mas porque tirou a licenciatura através de equivalências”, observa o empresário.
Ao contrário de Nuno Botelho, os professores universitários Luís Aguiar-Conraria e Manuel Carvalho da Silva defendem que, antes de exigir responsabilidades políticas, se deve esperar pelo relatório final da Comissão Independente de Peritos sobre o incêndio de Pedrogão.
"Mesmo que António Costa já tivesse informação suficiente que lhe permitisse demitir de imediato a ministra, mesmo nesse cenário eu acho deve esperar um mês. O primeiro-ministro deve esperar pelo relatório final da comissão de peritos independentes. O novo ministro a vir - não sabemos se virá - já deve conhecer o relatório e se iniciasse funções agora poderia ser apanhado de surpresa daqui a um mês”, sustenta Luís Aguiar-Conraria.
"O novo ministro - a haver novo ministro - deve vir com muita força encarar os desafios inerentes aos problemas por detrás de desastres como este e não para ser envolvido ainda na avaliação do que aconteceu", remata Manuel Carvalho da Silva.