A Ordem dos Médicos realizou uma auditoria que aponta diversas falhas ao lar de Reguengos de Monsaraz onde se registou um surto de Covid-19 do qual resultaram 162 infetados e 18 mortos. O primeiro-ministro António Costa questionou a legitimidade desta ordem profissional para realizar essa auditoria, lembrando que “as ordens não existem para fiscalizar o Estado”.
O bate-boca continuaria. Este domingo foi revelada nas redes sociais uma conversa “off-the-record” do primeiro-ministro após entrevista ao Expresso na qual António Costa acusa os médicos de “cobardia”, criticando a sua atuação no lar de idosos de Reguengos. Não tardaria a reação da Ordem dos Médicos, que rejeitou a acusação “ofensiva” do primeiro-ministro de que foi recusada assistência médica naquele lar.
Para esta terça-feira está mesmo agendada uma reunião entre António Costa e o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.
E é neste quadro de alguma tensão com a Ordem dos Médicos que o PS, partido que sustenta o Governo, se propõe alterar a lei sobre as ordens profissionais. Um dado confirmado ao jornal “Público” pela deputada socialista Constança Urbano de Sousa.
Questionada sobre se a iniciativa pretende clarificar a questão dos poderes de fiscalização das ordens, a deputada explica que esta dúvida não foi colocada. Por outro lado, acrescenta que este trabalho parte das recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e que as ordens foram ouvidas no processo.
Então, como reagem as ordens profissionais? Para a Ordem dos Advogados, o momento não podia ser mais “inoportuno”. O bastonário Menezes Leitão, à Renascença, questiona o “timing” da iniciativa socialista e receia que se trate de uma tentativa limitar a atuação das ordens.
"Parece-nos que se trata de uma iniciativa muito pouco oportuna, uma iniciativa que tinha surgido noutro enquadramento e que agora está a ser usada com o intuito de colocar uma espécie de ‘lei da rolha’ nas ordens profissionais, evitando que elas intervenham onde o interesse público exige que intervenham e onde os cidadãos exigem que os seus direitos sejam protegidos”, acusa Menezes Leitão.
O bastonário dos Advogados diz-se “preocupado” com o considera poder vir a uma tentativa de silenciamento do Governo.
“Esperemos que isto não seja mais uma escalada relativamente a intervenções que nos parecem destinadas a silenciar assuntos que não podem ser silenciados. Nós estamos num país democrático e num país democrático não há possibilidade de proibir uma Ordem dos Médicos de investigar o que é que se passou relativamente ao incumprimento de regras relativas a cuidados de saúde. Como não pode ser impedida uma Ordem dos Advogados de investigar o que se passa relativamente a lesões de Diretos Humanos. Nós encaramos isto com muita preocupação e surpreende-nos que isto esteja a surgir neste momento”, refere o bastonário dos Advogados.
Na mesma linha, a bastonária da Ordem dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco, vê a iniciativa como uma possível “tentativa de vingança” para com os bastonários.
"Pode haver na cabeça das pessoas, porque há seguramente na cabeça dos profissionais de saúde, a ideia de que isto só está a acontecer porque ordens – enfermeiros, médicos e farmacêuticos – têm sido muito incisivas naquilo que têm a dizer ou naquilo que têm a chamar a atenção e que se deve corrigir sobre aquilo que tem sido a atuação do Governo na área da saúde. Sobretudo nesta questão dos lares. E, portanto, pode haver aqui uma tentativa de vingança sobre quem fala demais, ou quem se opõe demais, nomeadamente os bastonários”, explica Ana Rita Cavaco à Renascença.