As finanças públicas enfrentam vários desafios a médio/longo prazo, a começar pelos riscos orçamentais. O aviso é do Conselho das Finanças Públicas, que até perspetiva um crescimento real de 1,9% ao ano, em média, até 2035.
No entanto, este valor depende da ausência de choques, da eficiente execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) até 2026 e da absorção dos fundos na economia, segundo o relatório publicado nesta quinta feira, intitulado “Riscos orçamentais e sustentabilidade das Finanças Públicas”.
Contas da pandemia ainda em aberto
Há ainda riscos associados à pandemia, nomeadamente, os apoios concedidos à economia para garantir liquidez às famílias e empresas. Os mais comuns foram as garantias públicas em linhas de crédito e as moratórias no crédito bancário.
“De acordo com a informação da Direção-Geral do Orçamento, o stock de garantias concedidas pelas administrações públicas aumentou de 4,8% do PIB em 2019 para 6,4% do PIB em 2020”, refere o relatório.
Outro risco está associado à “eventual incapacidade” das empresas públicas classificadas fora das administrações públicas para fazerem face às suas responsabilidades.
“A dívida gerada por estas entidades representava 3,3% do PIB em 2019, metade do verificado no início da crise financeira 2007-2008”. Com a crise pandémica, a dívida destas entidades aumentou para 3,6% do PIB, “um nível superior ao observado desde 2016”.
A banca e o exterior são responsáveis pela maioria do financiamento destas entidades, quase três quartos, mas é o setor das administrações públicas que mais risco assumiu junto destas entidades (por vezes, designadas por empresas públicas não reclassificadas ou EPNR).
Benefícios sociais em risco
No “2021 Ageing Report” já tinha sido dado o alerta, tendo em conta as projeções de despesa para o médio e longo prazo: “serão necessários esforços adicionais em termos de finanças públicas para manter o nível de benefícios sociais concedidos atualmente”.
No entanto, a situação é muito pior. As despesas associadas ao envelhecimento da população, principalmente com pensões e saúde, têm registado um “aumento contínuo ao longo do tempo, colocando desafios económicos, orçamentais e sociais”, segundo o relatório.
O esforço necessário que tinha sido identificado no ‘2021 Ageing Report’ “poderá até estar subavaliado nesse exercício, uma vez que a diminuição prevista do valor futuro das pensões de velhice do sistema contributivo coloca pressões adicionais no sistema não contributivo”, avisa o CFP.
As contas são simples: “À medida que o valor das pensões se aproxima do valor legal mínimo estabelecido, maior o número de beneficiários que terá acesso a prestações complementares previstas no sistema não contributivo”.
É, por isso, necessário avaliar a “adequação dos benefícios futuros atribuídos pelos sistemas de pensões, incluindo os efeitos das reformas adotadas”.
Nas despesas com saúde não estamos melhor. A Comissão Europeia prevê um aumento de 1,6 p.p. do PIB em Portugal, entre 2019 e 2070. É o quarto maior da União Europeia.
A despesa com cuidados continuados deverá passar de 0,4% do PIB em 2019, para 0,8% em 2070. É um aumento de 0,4 p.p. do PIB, que compara com um crescimento de 1,1 pontos percentuais no conjunto da UE.
A despesa com pessoal
O alarme tem sido acionado por diferentes organismos e desta vez é o Conselho das Finanças, presidido por Nazaré Cabral, que carrega no botão. Em causa está a contratação de funcionários públicos, que tem aumentado nos últimos anos, para níveis pré-troika.
Em 2019, as despesas com pessoal e as prestações sociais, duas das principais componentes da despesa que podem ser consideradas despesa rígida, “representavam quase três quartos (74,4%) da despesa primária ajustada, um peso que tem vindo a aumentar desde 1995, quando representavam 66,8% desse agregado”.
Esta despesa não pode crescer mais do que a riqueza do país, avisa o relatório.
“Importa acautelar que, tal como sucedeu entre 2014 e 2019, a evolução destas componentes mais rígidas da despesa continuam a não crescer tanto quanto o PIB”. O objetivo é garantir que existe capacidade para realizar “despesa mais flexível, mas não menos necessária, como é o caso da despesa de investimento”, em áreas como o desafio ambiental.
A fatura ambiental
Portugal já aprovou vários planos de ação para cumprir as metas acordadas ao nível europeu que visam a neutralidade carbónica da economia, mas falta explicar quanto vão custar e como serão pagos.
O Conselho das Finanças Públicas crítica a ausência de um “levantamento das necessidades de investimento a realizar, tanto pelo setor público como pelo setor privado, e respetivas fontes de financiamento”.
Alerta ainda que “os riscos descendentes de curto e de longo prazo para a economia e finanças públicas portuguesas deverão aumentar substancialmente, em resultado dos riscos físicos e de transição das alterações climáticas”.
Sustentabilidade da dívida nas mãos do próximo Governo
No cenário base, o CFP projeta a descida da dívida pública ao longo dos próximos 15 anos, atingindo 91,1% do PIB em 2035.
Este cenário pressupõe, implicitamente, alterações de política económica e que os desenvolvimentos económicos e a taxa de juro evoluam em linha com o projetado.
Assume também que existem riscos associados ao elevado nível de endividamento em Portugal: o facto de a dívida estar nos 135,2% do PIB; as necessidades (brutas) de financiamento face ao PIB; a taxa de fertilidade e as projeções para a despesa em saúde e pensões, que “sinalizam uma evidente necessidade de políticas estruturais que corrijam atempadamente os desequilíbrios e alterem o sentido da sua evolução”.
Os juros historicamente baixos são uma “oportunidade única para, com um esforço orçamental sustentado, obter uma redução significativa da dívida em percentagem do PIB”.
Mas o organismo liderado por Nazaré Cabral duvida da capacidade do país em aproveitar esta janela. “Em Portugal, a política orçamental não se tem revelado suficientemente contracíclica na fase favorável (de crescimento) do ciclo económico para construir um espaço orçamental suficientemente alargado que prepare o país para as consequências económicas e orçamentais de um choque desfavorável.”
Numa altura em que o país se prepara para novas eleições, o CFP lembra que “a política orçamental poderia efetivamente estabilizar a economia, minimizando as flutuações cíclicas, em vez de as exacerbar”. É uma opção política do futuro Governo.
“A manutenção da sustentabilidade da dívida está perfeitamente ao alcance do país assim a política orçamental seja conduzida tendo em conta essa restrição”, avisa o relatório.