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A transferência das oficinas da TAP para o aeroporto de Beja seria “uma solução absolutamente extraordinária”, afirma o presidente da Câmara, Paulo Arsénio, em entrevista à Renascença.
O aeroporto de Beja começou a operar a 13 de abril de 2011, dez anos depois de ter começado a ser projetado. Custou 33 milhões de euros e resultou do aproveitamento civil da Base Aérea nº 11.
Com a polémica em torno da localização do futuro aeroporto e com os constrangimentos registados na Portela, nos últimos dias, a Renascença procurou perceber, de forma clara, se Beja é ou não, uma verdadeira alternativa a considerar.
Do passado ao presente, rumo ao futuro, analisamos com o presidente da Câmara Municipal de Beja, Paulo Arsénio, um percurso conturbado que chegou a ser, juntamente com Alqueva e o Porto de Sines, um dos vértices do triângulo fundamental para o desenvolvimento do Alentejo.
Em 2010, uma análise do Tribunal de Contas referia, entre muitas outras coisas, que o aeroporto de Beja não tinha ainda, apesar de decorrida uma década, “contribuído para o desenvolvimento da região nem para a criação de emprego”. Passados 12 anos, qual é realidade existente?
De facto, as coisas mudaram muito. Podemos não ter atingido os objetivos que se pretendiam, nomeadamente de um maior número de criação de postos de trabalho ou da maior dinamização da região através da estrutura, mas a realidade já não é a mesma de 2010. Isto, muito por força do hangar da Mesa [empresa de manutenção aeronáutica], que está montado no espaço, um investimento na ordem dos 30 milhões de euros.
É curioso que um único investimento privado é praticamente do mesmo valor que foi a transformação daquela parte do aeroporto em terminal civil, e que na altura teve um custo de 33 milhões de euros. Esse hangar, emprega neste momento, em termos fixos, 80 pessoas e gera mais de 20 postos de trabalho indiretos. Muitas destas pessoas vieram de fora, estão a morar em Beja, estão a morar nas aldeias à volta de Beja, estão a morar nos concelhos vizinhos, nomeadamente em Cuba e, portanto, a realidade já não é a mesma que o Tribunal de Contas reportou em 2010.
A Câmara de Beja, não sendo a responsável/proprietária da infraestrutura e do equipamento, tem promovido o aeroporto sempre que pode fazê-lo, fazendo-se representar e fazendo apresentações onde apresenta o equipamento e as oportunidades que oferece a potenciais investidores, dialogando com empresas, com a ANA Aeroportos e com a Força Aérea Portuguesa, uma vez que o terminal civil opera em estreita ligação com a componente militar instalada.
Com a construção do Alqueva, perspetivou-se a criação de novos projetos turísticos no Alentejo, muitos dos quais chegaram a ser apresentados com pompa e circunstância, mas nunca chegaram a concretizar-se. Entende que o desenvolvimento do potencial turístico pode ser uma forma de recativar o aeroporto?
Os projetos PIN [Projetos de Interesse Nacional], que chegaram a estar previstos para o regolfo de Alqueva, criaram essa expetativa, porém a não concretização de nenhum desses projetos, acabou por esvaziar a mesma. Se não me falha a memória, esses projetos criariam entre 15 a 20 mil camas na área do Alqueva e também alguns empreendimentos Premium na costa alentejana e isso, de facto, contribuiria para que o aeroporto tivesse maior tráfego comercial de passageiros.
Ainda assim, o aeroporto em termos dos chamados voos VIP ou dos voos Premium tem imensa procura. São pessoas que chegam nos seus jatos ou de empresas privadas, procurando, digamos, um turismo e uma qualidade turística mais recatada, sobretudo no litoral alentejano. Nesta vertente, o aeroporto trabalha muito, e trabalha muito bem, sendo um aeroporto muito apreciado pelas condições e características que tem, para esse tipo de tráfego.
As pessoas saem com grande rapidez da aerogare e rapidamente são transportadas em viagens, de automóvel ou em shuttle privados, com percursos na ordem dos 45/50 minutos, até aos destinos finais. Essa é uma área em que o aeroporto tem sido claramente bem-sucedido.
Em concreto, para Beja, essa movimentação também tem reflexos?
Não. Em bom rigor, para Beja, não. Estamos a falar de clientes, com algum grau de exigência e que são clientes que não procuram Beja, mas sim os destinos Premium nas proximidades. Utilizam é a nossa infraestrutura aeroportuária.
Mas tivemos aqui, em 2018 e 2019, antes da pandemia, um conjunto de voos, no verão, porque os slots do aeroporto de Lisboa estavam preenchidos. Aproveito para sublinhar que, nessa altura, a ANA não impediu os voos de aterrar em Beja, coisa que voltaria a acontecer, creio, se fosse de novo necessário, dentro das condições que o aeroporto oferece.
Respondendo à sua pergunta, não se verificou um incremento do turismo na cidade, nessas ocasiões. Neste momento, já há que ter em conta o facto de termos aqui uma empresa de manutenção aeronáutica, e a placa de estacionamento e parqueamento tem capacidade apenas para cerca de 12 aeronaves, estando sempre a ser utilizada. A verificarem-se, de novo, voos dessa natureza, é necessário agendar com alguma antecedência, pois em 2018 ainda não tínhamos a Mesa a operar.
Num cenário de procura acentuada para o transporte de passageiros, acredita estar a Infraestruturas de Portugal (IP) suficientemente sensibilizada para a modernização da Linha Beja – Casa Branca, de forma a considerar um transporte ferroviário de alta frequência dentro de tempos de viagem aceitáveis?
A Câmara de Beja tem sensibilizado as Infraestruturas de Portugal a fazerem o denominado “Ramal do Aeroporto” quando for modernizada e eletrificada a linha Beja-Casa Branca, que o será no âmbito do Portugal 2030 e cujo projeto está em execução.
Nas reuniões que já aconteceram, referentes ao estudo prévio do dito “Ramal ao Aeroporto”, notamos alguma dificuldade, por parte da IP, em aceitar esta opção pela qual nos batemos e que resolve uma dupla questão futura: pode servir para o escoamento de passageiros para norte, enquanto não existir ligação a Ourique-Gare, a Sul, e para o escoamento de carga através da ferrovia, carga que pode ser, acreditamos, um grande trunfo para potenciar a infraestrutura.
Este transporte ferroviário em condições é necessário por três fatores. Primeiro, porque Beja precisa desse transporte ferroviário em condições e que não o tem, independentemente do aeroporto. Em segundo lugar, o aeroporto tem uma mais-valia tremenda para a região. Já o é mais agora, do que era há alguns anos, por causa dos voos Premium e do hangar, mas pode ser muito mais, naturalmente. O ramal do aeroporto, na nossa opinião, é muito importante e decisivo para o incremento do tráfego de passageiros. Podemos, depois, discutir se sobre a forma de voos regulares ou voos charter, mas para incrementar o tráfego de passageiros e, também, numa perspetiva que ainda não está explorada no aeroporto de Beja, mas que nós acreditamos que, a curto ou médio prazo, vai ser mesmo uma realidade inevitável, que é a carga.
Não tenho a certeza que a IP esteja totalmente convencida da necessidade desse ramal. Temos mantido algumas reuniões com a empresa que, de momento, está a desenvolver o projeto do estudo de viabilidade do ramal do aeroporto. A linha Beja -Casa Branca, que depois vai ligar a Lisboa, é uma linha ferroviária que vai ser eletrificada. Isso está fechado pelo Governo.
Até ao final da década, a linha Beja - Casa Branca vai estar, finalmente, eletrificada e isso é uma boa notícia. Agora interessa convencer a IP, que é necessário fazer o ramal do aeroporto, pois ele é muito importante para dinamizar a região e, num futuro próximo, também o aeroporto.
Quais são as dúvidas da IP?
Olhe, se nós fizermos apenas o histórico do tráfego de passageiros comerciais, através de voos comerciais dos últimos anos, obviamente que o estudo de viabilidade vai concluir que não há justificação para o ramal. Mas isso é uma perspetiva muito acanhada do aeroporto e do papel que pode vir a ter no futuro na nossa região. As condições completam-se entre si. Não há nenhum fator isolado que, por si só, dinamize mais o aeroporto, mas a ferrovia é um desses fatores estruturantes e decisivo para que essa viabilidade seja mais intensa.
Podemos não saber o que o aeroporto vai ser daqui a 10 anos, se terá, predominantemente, passageiros, ou terá uma outra vertente de negócio. Acredito que esta última vertente, a do negócio, pode ser muito valiosa e a carga é uma delas. Portanto, a ferrovia é claramente um elemento decisivo. Nós estamos a usar todo o nosso poder de persuasão para que o ramal seja incluído na via férrea eletrificada a Casa Branca.
Com custos acrescidos…
Sim, isso vai duplicar os custos da obra. Temos bem essa consciência e temos também a consciência do país em que vivemos e das limitações financeiras que temos. Mas, entendemos, que estando ali aquela estrutura, o ramal do aeroporto é absolutamente decisivo, para no futuro dinamizar mais a infraestrutura, seja em termos de passageiros, seja em termos de carga, sobretudo.
Sendo a Mesa a única empresa de manutenção de aeronaves que está instalada em Beja, tem conhecimento de outras empresas do setor aeronáutico que possam querer instalar-se também neste território?
Que tenham contatado a Câmara Municipal de Beja, de forma fidedigna, não. Agora, a Mesa adquiriu há poucos meses à autarquia, ainda que fora do aeroporto, junto do aeródromo municipal, um lote de quase três hectares para instalação de uma plataforma logística de material aeronáutico, portanto, vai ampliar a sua base de negócio em Beja. A Mesa está, também, em vias de fechar a compra dos últimos dois lotes no aeroporto, para construir um mega hangar, ao lado do que já está a funcionar.
Portanto, o grupo Mesa ficará, digamos, com três hangares no aeroporto, mais uma base logística no aeródromo que fica muito perto do aeroporto e que é pertence ao município. A nossa expectativa é que a Mesa duplique ou triplique, a sua base logística de manutenção de aeronaves em Beja e que outras empresas possam juntar-se, no futuro próximo, até porque há a perspetiva de um novo modelo de negócio por parte da ANA.
Um novo modelo de negócio para o aeroporto de Beja?
Sim, para o aeroporto de Beja e que não existia até há algum tempo. No último conselho consultivo do aeroporto, no final de 2021, pela primeira vez, a ANA admitiu ampliar progressivamente o aeroporto de Beja, dando início à segunda fase da infraestrutura. Na prática, consiste na ampliação da placa que está permanentemente lotada, como já referi, e também a disponibilização de mais sete a dez lotes para o lado do ar, permitindo a mais sete ou dez empresas instalarem-se em Beja.
Com a compra que a Mesa pretende fazer, dos últimos lotes disponíveis, os lotes existentes para a zona da pista e da placa, ficam esgotados no aeroporto de Beja. É um aeroporto muito pequenino, naturalmente, com as condições atuais relativamente reduzidas, mas que tem um potencial de ampliação, que até a própria ANA já admite, como poderem vir a ser efetuadas no curto prazo, coisa que até há um ano, a empresa não admitia. Portanto, estamos a progredir e, por tudo isto, temos uma expectativa tão otimista quanto à nossa infraestrutura.
Na génese deste projeto esteve também a manutenção de aeronaves por parte da TAP, a que se seguiu o seu desinteresse. As condições que estão agora a ser criadas neste aeroporto, juntamente com a falta de espaço na Portela ou o encerramento da VEM Brasil, por exemplo, podem fazer a TAP reconsiderar esta posição?
A opinião da Câmara de Beja e a minha própria, na qualidade de presidente do município, é que seria uma ótima opção. A TAP deslocar uma parte das suas oficinas para Beja, eventualmente, uma parte da operação do Brasil, seria uma extraordinária opção. Não conheço, nem tenho que conhecer os contratos e as obrigações que a TAP assumiu, por exemplo, com o Brasil, mas disponibilizando a ANA mais lotes para o lado do ar, sendo a manutenção aeronáutica um dos grandes negócios futuros da aviação, partindo nós do princípio, tal como sucede com estes 80 técnicos altamente qualificados da Mesa, que a TAP pudesse trazer também um número muito superior de técnicos para Beja, e que essas pessoas que passariam a viver no concelho, é claro que seria uma solução absolutamente extraordinária.
Para quando o recomeço das obras no IP8 de forma a dinamizar a cidade de Beja, bem como potenciar o seu aeroporto?
Creio que o concurso de execução ou já finalizou ou estará para muito breve. Depois, será a vez do Governo lançar o concurso público internacional para lançar a obra que, se tudo correr bem, pode começar até ao final de 2023.
A EN121/IP8 (A26) não vai ficar exatamente como nós gostaríamos que ficasse, mas posso dizer-lhe que vai ter uma remodelação integral de todo o piso, com alguns alargamentos pontuais, um novo tapete, algumas saídas com maior segurança para os condutores que circulam na via, e vai ter apenas dois troços, de dois quilómetros e meio cada, com quatro faixas, nas variantes às localidades de Beringel e Figueira da Cavaleiros.
Vamos ter uma qualidade de circulação substancialmente melhor do que aquela que existe agora, mas vamos continuar a bater-nos para que a autoestrada, com quatro faixas no seu todo, chegue a Beja e ao seu aeroporto.
Com a construção do novo eixo ferroviário Sines-Évora-Badajoz-Madrid, vê como concorrente a Beja o aeroporto de Badajoz?
Badajoz representa um território com muito mais população do que Beja, mas creio que a nossa infraestrutura tem imenso potencial, mesmo com um aeroporto de Badajoz forte. Hoje as necessidades do mundo da aviação são múltiplas e uma das grandes mais-valias da nossa pequena infraestrutura civil é a sua versatilidade. Da carga, à manutenção aeronáutica, aos voos executivos e aos voos comercias, há um conjunto de oportunidades que Badajoz não esgotará e em que Beja pode ser, e será, mais forte.
Em cerca de 30 minutos será possível viajar de Évora para Badajoz, integrando-se Évora num eixo ferroviário onde se localizam algumas das cidades património mundial. A integração de Beja nesse eixo através de ligação direta Beja – Évora poderá potenciar Beja numa lógica de “ligação a uma rede transeuropeia”?
Sim. Todas as ligações que contenham ganho de tempo aumentam a competitividade de qualquer território ou equipamento nele situado.
Em resumo, dos objetivos estratégicos definidos para Beja, tendo no horizonte o aeroporto, quais foram, até hoje, atingidos?
Na manutenção estamos a caminhar muito bem, com a instalação da Mesa, e no número de voos executivos que utilizam o terminal também. Estes, eram dois dos fatores previstos nos estudos realizados em 2012 para viabilização do equipamento e que estão a cumprir-se progressivamente e com relativo sucesso.
A questão do transporte e da carga ainda não tem tido a expressão que se pretende e que a infraestrutura pode satisfazer. Note-se que existe no terminal civil um terminal de carga de grande capacidade. Uma das valias que era apontada em 2012 eram também os voos comerciais de apoio ao aeroporto de Faro, estrutura que está à beira do limite da capacidade útil, sobretudo nos meses de verão e em que Beja pode ser decisiva para garantir o fluxo de turistas para a região.
E o que falta?
Falta-nos crescer um pouco mais no tráfego de passageiros, assim haja operadoras interessadas em utilizar este aeroporto com maior frequência. Falta-nos também explorar a vertente da carga, que nos parece muito importante, como já referi. Continua a haver uma preferência dos operadores para transportarem a sua carga, maioritariamente, para a Europa através da rodovia, quando nós oferecemos aqui uma possibilidade que vale a pena ser explorada.
Admito que não seja fácil e que os custos sejam também alguns. Mas, para os frescos chegarem ao centro da Europa e aqui a região produz muitos destes produtos, se calhar vale a pena pensar nisso.
Outra vertente importante, é a ligação de Beja a Sines, muito importante, mas que tem sido negligenciada. Temos conhecimento da existência de investidores que podiam apostar forte no nosso aeroporto, se fosse potenciado um corredor a Sines, inicialmente através de uma IP forte, e depois, no futuro, eventualmente através de uma ferrovia. Quanto mais tempo perdermos, mais oportunidades perdemos para a aerogare de Beja.
Nas últimas semanas, houve a polémica do novo aeroporto de Lisboa e voos cancelados na Portela. Em termos claros, Beja é ou não é alternativa, face ao cenário que se verifica atualmente?
Eu sou sempre muito criticado quando falo das limitações da aerogare, mas a verdade é que ela tem limitações, mas pode receber aviões. Beja pode, no limite, aliviar um pouco a pressão que existe sobre o Aeroporto General Humberto Delgado, em Lisboa.
Beja tem uma capacidade máxima estimada em cerca de 1,5 milhões de passageiros por ano, ao passo que Lisboa poderá/deverá receber este ano cerca de 33 milhões de passageiros (teve 31.200 milhões em 2019, o melhor ano), o que representa cerca de 4% do total de passageiros esperados em Lisboa. É esta, sensivelmente, a capacidade de Beja nas atuais condições.
Sublinho, mais uma vez, que no passado, sempre que houve interesse dos operadores em voarem no verão a partir de Beja ou para Beja, essa possibilidade não foi negada pela ANA Aeroportos e as operações efetuaram-se. Assim se criem previamente as condições na placa para que os aviões possam partilhar e descarregar os passageiros. Criadas essas condições, aos operadores basta contatarem a ANA, com antecedência, caso estejam interessados em usar a nossa infraestrutura.