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O microbiologista João Paulo Gomes, do Instituto Ricardo Jorge, admite que o número de infetados por Covid-19 em Portugal vai aumentar por causa da abertura das fronteiras, mas diz que a nosso favor temos a taxa de vacinação.
Quanto às estirpes, continuamos a ter poucos casos da variante Indiana, sendo que, nesta altura, a mais preocupante é a que tem origem na África do Sul porque consegue, além de ser muito transmissível, ter a capacidade de fugir ao nosso sistema imunitário.
Porque é que é tão difícil confirmar que uma pessoa que tem Covid-19 pela segunda vez foi reinfetada?
Tem tudo a ver com o grau de certeza com o qual queremos reportar esse tipo de situações. À medida que a pandemia vai andando, é normal que comecem a surgir positivos que já tinham sido positivos há uns meses. Eu estou a usar essa palavra “positivos” precisamente porque positivo no meu entender não significa infetado.
A Direção-geral de Saúde (DGS) terá, com certeza, muitos dados acerca daquilo que os vários médicos e as autoridades de saúde vão notificando em termos de potenciais reinfeções (a definição de reinfeção enquadra-se na existência de dois episódios positivos para Sars-Cov-2, portanto, para Covid-19, espalhados no tempo, com várias semanas ou preferencialmente meses entre eles) e, nessa perspetiva, a DGS não tem razões para desconfiar que os casos serão falsos positivos.
Mas isto são suspeitas. Quando - e agora falo no nosso caso - são solicitados ao Instituto Ricardo Jorge estudos com vista à confirmação laboratorial destes casos que possam configurar existência de reinfeções, posso dizer que nunca conseguimos confirmar qualquer uma das suspeitas e sei da existência de um único estudo feito pela universidade do Porto I3S, associado ao Hospital de São João que conseguiu confirmar isso.
Porquê?
Na esmagadora maioria dos casos em que há suspeita de uma reinfeção, um dos episódios não está associado a qualquer tipo de sintomatologia, portanto não existe um quadro clínico sugestivo ou que confirme essa infeção.
Existe apenas um teste laboratorial RT-PCR com resultado positivo e, normalmente, na esmagadora maioria dos casos, um destes dois episódios de positividade tem uma carga viral muito muito muito baixa e quando eu refiro muito baixa estou a falar mesmo no limiar da deteção do teste de diagnóstico, portanto, isto deixa-nos sempre na dúvida: será que era um falso positivo ou será que na realidade é um positivo verdadeiro com uma carga viral baixinha?
Isto para dizer que é muito complicado confirmar laboratorialmente os casos de reinfeção, primeiro porque são raros - a comunidade científica internacional é unânime nisto, são raros, não são nada frequentes - segundo, na esmagadora maioria dos casos, um dos dois episódios de infeção está associado a uma carga viral tão baixa que laboratorialmente não é possível estudá-lo.
Em Portugal, no Instituto Ricardo Jorge, quantos testes é que já foram feitos para avaliar se há reinfeção?
Não sei precisar, mas dezenas deles.
Alguns não se confirmam como positivos, outros não são manipuláveis porque a amostra não está em condições para ser sequenciada, para ser processada e, portanto, acabamos por não tirar nenhuma conclusão.
Depois, isto é com certeza um problema com que a Direção Geral da Saúde se depara: terá muitas notificações associadas a potenciais casos de reinfeção, mas depois quando o Instituto Ricardo Jorge contacta os laboratórios para ter acesso às amostras dos dois episódios de infeção, o laboratório já descartou a primeira amostra.
Como imagina, não há nenhum laboratório no país com capacidade de armazenamento de milhares e milhares de amostras que já diagnosticou desde o início da pandemia.
Então é possível que sejam muitas mais do que aquelas que conseguimos confirmar?
É possível que sejam muitas mais. Sim, sem dúvida.
Desconfiança de casos de infeção existem muitos, confirmados laboratorialmente existe um caso. Mas como lhe digo, há muitos fatores que impedem a confirmação, ou seja, a passagem do estatuto de suspeito para confirmado.
Na eventualidade de termos muitos mais casos de reinfeção do que aqueles que conseguimos provar laboratorialmente, o que é que isto significa em termos práticos?
Se acreditássemos nessas suspeitas, digamos assim, poderia significar um cenário em que o sistema imunitário das pessoas apesar de já ter tido uma infeção prévia, teria tido um decaimento e elas ficariam suscetíveis a uma nova infeção.
Ou então, uma segunda explicação: existir um tipo de variante genética do vírus neste segundo episódio que conseguia contornar, ludibriar o sistema imunitário dessa pessoa, apesar de ela eventualmente ter anticorpos contra o vírus.
Mas isto são especulações, são cenários, a realidade é que a comunidade científica é unânime ao considerar que as reinfeções são muito raras.
Em relação às novas variantes, continuamos a ter a britânica dominante, mas a variante indiana está a aumentar muito no Reino Unido, para onde abrimos as nossas fronteiras. Lá, numa semana duplicou o número de casos. Isto não é um risco para Portugal?
Um risco será sempre. Nós temos que perceber – Portugal e os outros países - que a abertura de fronteiras não é imune à existência de novas introduções, sejam elas de novas variantes ou não. É impossível fazermos um controlo total disso.
A abertura de fronteiras é acompanhada da obrigatoriedade de um teste negativo, mas um teste negativo diz-nos apenas que a pessoa na altura em que realizou o teste não tem uma carga viral detetável, seja por estar negativo ou por estar muito no início da infeção. E, portanto, não podemos garantir que todas as pessoas que entram, mesmo com teste negativo, sejam realmente negativos. Garantimos a maior parte.
A única forma de contornar isto seria sujeitar a quarentena todos os que entram com teste negativo e passado uma semana voltar a fazer teste. Aí teríamos quase 100% de certeza.
Naturalmente, isto para efeitos de economia, de turismo, não é possível. A variante indiana está, de facto, a crescer no Reino Unido, mas eu deixava, no entanto, o alerta porque é necessário esperar também, as próprias autoridades britânicas não têm a certeza absoluta se o aumento da prevalência da variante indiana não se estará a dar à custa de um crescimento em comunidades específicas e isso se possa traduzir numa transmissão comunitária.
E em Portugal? Estão a aumentar?
Não, não. Continuam a ser muito poucos. Temos dez casos até agora e chamo atenção que a variante Indiana tem duas linhagens, a linhagem mais preocupante – que é a que está a ter um aumento significativo no Reino Unido e na própria Índia - em Portugal tem apenas dois casos. Os outros oito são da linhagem, digamos, menos preocupante.
Estes são os dados de que dispomos. Posso dizer que neste momento estamos a fazer uma nova amostragem do mês de maio e, dentro de dez dias, mais coisa menos coisa, teremos mais de mil amostras sequenciadas e aí já podemos ter uma ideia se houve um aumento expressivo na prevalência da variante Indiana. Esperemos que não.
Posso dizer que tivemos a preocupação quando a variante da África do Sul cresceu de 0,1% para 2,5%. Foi um crescimento muito significativo e isso preocupou-nos, mas depois no mês a seguir, ou seja, em abril, ela caiu pela metade.
Por sua vez, a de Manaus teve 0,2% de prevalência durante vários meses e agora no mês de abril ela passou para 4,3% e isso deixa-nos pouco à vontade.
Neste momento continua a crescer?
Não temos os dados ainda, só daqui a uns dez dias é que podemos saber se, por acaso, a variante de Manaus está a crescer ou não.
Qual é mais preocupante, a variante Indiana ou a de Manaus?
Eu diria que são todas preocupantes. Existem muito poucos dados relativamente à variante Indiana. Muito se especula.
Não se pode dizer com certeza que a variante Indiana é mais transmissível do que a variante britânica, ainda há pouco tempo de estudos e, portanto, vamos ter de aguardar para perceber se ela tem um comportamento semelhante à do Reino Unido – essa foi a variante com maior transmissibilidade que já apareceu em todo o mundo.
Depois tivemos a outra variante que eu considero talvez ainda mais preocupante, que é a variante da África do Sul.
A maior parte dos estudos em termos de eficácia vacinal, em termos de capacidade de infetar, apontou que parecia ser aquela com maior habilidade para fugir ao nosso sistema imunitário. Além de ser muito transmissível, tinha essa capacidade, mais ainda, talvez do que a variante de Manaus e muito mais do que a variante do Reino Unido.
Se olharmos para a variante indiana, as mutações que acarreta preocupam-nos, porque estão associadas à fuga ao sistema imunitário e, por outro lado, parece ser muito transmissível, mas não é com dez casos em Portugal que vamos tirar essa conclusão, nem nos outros países.
Os únicos países onde ela está a crescer ao ponto de se perceber daqui a algum tempo se é mais transmissível ou não, é a India e é o Reino Unido. Não podemos descartar que ela esteja a crescer, acima de tudo, em comunidades especificas, onde a densidade populacional seja muito grande, comunidades que se assemelham muito com os nossos casos de Odemira, por exemplo. Em termos internacionais não é claro.
Agora que Portugal tem o Rt (índice de transmissibilidade) no 1, apesar de a taxa de incidência ser relativamente baixa, corremos risco de uma nova vaga por causa da abertura de fronteiras ou estamos seguros?
Eu penso que não há risco de uma nova vaga, mas existe claramente o risco de um aumento ligeiro do número de infetados.
É difícil que isso não aconteça se a população transitória vai aumentar muito em Portugal nos próximos meses, e não vamos ficar completamente descansados com a apresentação dos testes negativos à entrada nos aeroportos, nos portos e nas fronteiras terrestres. Portanto é expectável que o Rt possa aumentar um pouco mais ainda.
No entanto, temos que perceber que, não só as pessoas para as quais nós estamos a abrir fronteiras vêm de países, neste caso o Reino Unido, com uma taxa de vacinação muito superior à nossa, e isso deixa-nos algum conforto, como a vacinação em Portugal está a correr muito bem.
Se pensarmos que a grande preocupação – muito mais do que o Rt - deve ser, sempre foi e continuará a ser a pressão sobre o sistema de saúde, ou seja, internamentos e internamentos em cuidados intensivos e, consequentemente, o número de mortos, e se pensarmos que 95% dos casos que foram parar ao hospital durante este ano e pouco de pandemia estavam associados a idades superiores a 65 anos e, de acordo com as últimas notícias, espera-se que dentro de uma ou duas semanas praticamente 100% das pessoas acima dos 60 já estejam vacinados, eu penso que os pratos da balança poderão ficar muito equilibrados.
Podemos ter um ligeiro aumento do Rt, podemos ter mais infetados, uma maior taxa de incidência a 14 dias, mas sem qualquer impacto em termos de pressão sobre o Sistema Nacional de Saúde. É essa a minha esperança e tudo por causa do sistema de vacinação.
As vacinas são eficazes para as variantes do vírus que têm surgido?
Não há nenhuma prova de que não sejam. Os artigos científicos continuam a sair. Já existem alguns reportes científicos associados a esta variante da Índia e, de facto, se nalguns casos parece haver uma menor eficácia contra algumas das variantes, essa menor eficácia é apenas na existência de um processo de infeção ou reinfeção, não em termos de doença moderada ou severa.
Nesse campo, todas as vacinas têm demonstrado uma eficácia excelente.