"Basta uma coisa qualquer para descambar". É assim que um centrista próximo de Nuno Melo define o clima geral que se vive no CDS por estes dias. À Renascença é contado que nos diversos grupos de Whatsapp de militantes do partido são frequentes os apelos "para haver contenção nos discursos" que se fizerem no Congresso que se realiza este fim-de-semana em Guimarães.
De resto, este mesmo ambiente de panela de pressão prestes a explodir, é relatado por centristas afectos à actual direção de Francisco Rodrigues dos Santos. O partido "está bastante dividido", descreve um antigo dirigente, que desabafa que "ser presidente do CDS é um sacrifício enorme, ainda mais não sendo daquele grupo".
O "grupo" é o dos portistas, representado neste Congresso na candidatura à liderança do eurodeputado Nuno Melo, antevendo assim a continuação do ambiente de fação que tem marcado o CDS nos últimos anos.
Mesmo sabendo isto tudo, quem apoia Melo espera que não se chegue ao ponto de o fim-de-semana servir para "ajustes de contas". É o que diz à Renascença Paulo Núncio, ex-dirigente do partido e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que está na expectativa que "todos os congressistas tenham a noção da situação exacta que o partido atravessa e do sentido de responsabilidade necessário para unir e reerguer o CDS".
A tradição manda que o resultado dos Congressos do CDS seja uma caixa de surpresas e a verdade é que todas as tendências assumem que o partido está a mexer muito nos bastidores e que "está tudo na expectativa".
Nuno Melo "tem aquilo ganho, mas..."
Com o líder a ser eleito em Congresso e tendo em conta o que isso mexe com os delegados e congressistas - que habitualmente são sensíveis a bons ou maus discursos ou a esta ou aquela jogada de bastidores - o resultado pode ser uma autêntica lotaria, mas para já o eurodeputado centrista é dado como vencedor.
Entre os apoiantes de Nuno Melo há essa confiança de que "contando delegados", o líder da distrital do CDS de Braga "tem franca vantagem", com um antigo dirigente centrista a ressalvar com um "vamos ver com as inerências".
A questão é que, além dos delegados regionais e concelhios eleitos, participam também no Congresso, por inerência, o presidente do partido e diversos membros de órgãos nacionais, constituindo um mini-exército que pode baralhar os números.
Em Lisboa, por exemplo, em 70 lugares, Melo terá conseguido perto dos 60 delegados, segundo contas de um apoiante. E tem o apoio do líder da Juventude Popular (JP), Francisco Camacho, que atrás dele leva muita gente.
É ainda vincada à Renascença a ideia de que Nuno Melo tem o apoio de alas importantes do partido e que, por exemplo, "fala com Portas e Monteiro com frequência". Tem ainda o apoio público de Assunção Cristas, ex-líder do CDS.
A versão que corre entre quem apoia o eurodeputado centrista é que "tem todas as condições para ser eleito", mas com a noção de que "todos os cenários são possíveis".
É essa a esperança da ala afecta ao ainda presidente do partido, concentrada na moção "Pelas mesmas razões de sempre". "Está tudo na expectativa" e "lá estando, logo se vê" diz à Renascença um dos subscritores do texto que admite: "dá ideia que o Nuno tem aquilo ganho, mas...", deixando a frase pendurada numa esperança implícita de que algo diferente aconteça.
Esta moção, subscrita por actuais dirigentes, como o vice-presidente do partido Pedro Melo ou Filipa Correia Pinto, muito próxima de Francisco Rodrigues dos Santos, enferma de algo que os próprios subscritores admitem: "no nosso grupo não há ninguém" que avance e "ninguém tem um plano". A ordem "é ver o que acontece".
É ainda admitido por este grupo que Nuno Melo poderá conseguir "entre os 40% e os 45%" dos votos em Congresso e que tem "um núcleo muito forte em Braga", distrital que de resto lidera, e no Porto.
Fica ainda o aviso sobre o eventual resultado eleitoral da moção do eurodeputado: "se ganhar abaixo dos 40% é um resultado pífio", admite um subscritor do texto "Pelas mesmas razões de sempre", sem, contudo, colocar a questão da legitimidade de uma liderança eleita com esses números.
A dificuldade de unir 10 moções. Ou não?
A versão que corre entre os subscritores da moção "Pelas mesmas razões de sempre" é que não há condições para uma unidade ou alinhamento de posições entre os vários textos. É mesmo dito à Renascença que "não vejo, neste momento, que as várias moções se unam".
Não é, de todo, essa a expectativa dos apoiantes de Nuno Melo que admitem mesmo que o eurodeputado seja uma espécie de saco de boxe durante os dois dias de intervenções que irão suceder-se no Congresso de Guimarães.
Aliás, o grupo do eurodeputado centrista considera que a actual direção apostou numa "estratégia de apresentarem muitas moções para falarem todos", antevendo a "abertura para desistirem a favor de uma candidatura qualquer" que seja comum e que enfrente a moção "Tempo de construir" encabeçada por Nuno Melo.
Entre as dez moções ao Congresso de Guimarães está a de Miguel Mattos Chaves, vogal da actual direção do partido e que é candidato à liderança e profundo opositor de Melo. Está também a moção de Nuno Correia da Silva, que também faz parte da direção de Francisco Rodrigues dos Santos, ou ainda a de Bruno Filipe Costa, também ele candidato e amigo do actual líder do partido.
À espera de uma surpresa
O "tudo pode acontecer" que é admitido à Renascença por várias tendências resulta muito do facto de as regras de candidatura à liderança serem bastante flexíveis. Desde logo, porque não têm de ser os primeiros subscritores das moções a avançarem com uma candidatura.
Um alto dirigente do partido diz à Renascença que "o próprio Paulo Portas quando foi eleito pela primeira vez a moção era do Nobre Guedes", reforçando que "a interpretação que tem sido feita é essa", a de que "as pessoas apresentam as moções e não há uma obrigação de se ser candidato".
Este dirigente diz mais. Os eventuais candidatos à liderança "não têm de ter o nome na moção" e, a acontecer uma candidatura de última hora, a pessoa "escolhe a moção, adopta uma moção, identifica-se e di-lo em Congresso".
A interpretação geral que se faz das regras é esta, mas o que tem acontecido nos últimos Congressos é que quem apresenta a moção é o candidato. Aconteceu com Francisco Rodrigues dos Santos ou com Assunção Cristas, salienta o mesmo dirigente nacional, que assume que o que está previsto "dá azo a que a interpretação seja flexível", rematando com um "que corra tudo bem".