Pedro Santana Lopes pede "flexibilidade normativa" a Bruxelas sobre a entrega de projectos de orçamento por governos cessante. No programa "Fora da Caixa", da Renascença, o antigo primeiro-ministro diz que as actuais regras transformam este exercício previsto no chamado Semestre Europeu em algo "ilusório".
"Imagine que um Governo que está de saída tinha perdido as eleições e estava à espera da entrada de um novo Governo. O Governo cessante, não continuando, apresenta uma proposta de orçamento? Num país que tenha compromissos tão exigentes, vai deixar um legado de profunda austeridade, poupando a vida ao Governo seguinte e mandando para Bruxelas um exercício fidedigno? Ou pelo contrário envia um exercício de ficção para tentar aliviar a carga e deixar a ‘batata quente’ para o seguinte? Acho que Bruxelas exige um acto de cinismo", afirma Santana Lopes no habitual debate de temas europeus da Renascença.
O antigo primeiro-ministro pede flexibilidade nestes casos para todos os estados-membros, admitindo que outras soluções possam estar previstas num regulamento próprio. Confrontado com o facto de países como a Alemanha terem apresentado projectos de orçamento de governos cessante - por exemplo, em Outubro de 2013 - Santana Lopes responde: "Em crescimento eu também apresento [um orçamento dentro do prazo]. Em época de crescimento, todos apresentam".
"Era mandar uma folhinha A4"
António Vitorino foi comissário europeu e reconhece que em Bruxelas vigora, por vezes, um sentimento de angústia que justifica esta rigidez.
"A Comissão Europeia vive sempre na angústia entre tratar todos por igual - ou pelo menos dar a imagem de que tratam todos por igual - e a diversidade da vida e da realidade. O semestre europeu diz que é até 15 de Outubro, façam o favor de o entregar até 15 de Outubro. Caia o Carmo e a Trindade", explica o antigo ministro socialista no programa que vai para o ar às sextas-feiras na “Edição da Noite”, da Renascença.
Vitorino diz que estamos perante uma "exigência burocrática", em que a Comissão Europeia está a proteger-se. "Dá quase vontade de lhe mandar uma folhinha A4 com umas contas de envelope e dizer, 'ora aqui está o 'draft'", graceja Vitorino.
O antigo comissário lembra que o semestre europeu é uma medida de coordenação de políticas orçamentais e económicas dos estados-membros da União Europeia. Por isso, esta acaba por ser uma exigência da maior urgência para o novo Executivo português.
"É sinal de que o próximo Governo tem que dar prioridade imediata, não apenas à elaboração do Orçamento, mas ao envio de um primeiro rascunho do futuro orçamento", conclui o comentador do programa "Fora da Caixa".