"Estou muito aflita, fomos todos apanhados de supetão.
Meu Deus, não sei… Conhecia o Nicolau há 50 anos, sou mais velha que ele, como toda a gente sabe, era um actor extraordinário, era um director de actores brilhante (fui dirigida por ele). Teria sido um cantor extraordinário se quisesse ter cantado.
A ficção nacional deve-lhe tudo, foi ele que começou, foi ele que sonhou, que imaginou.
Era um colega exemplar, apanhei talvez a fase com mais graça da vida dele, com as suas pequenas e grandes bebedeiras, passe o termo. Era incapaz de ser mau colega, era incapaz de fazer uma sacanice. Era um amigo de quem vou ter uma saudade enorme, inteira, absoluta, e para ser muito franca não sei se sou capaz de ir à Igreja pôr-lhe uma flor, não sei se sou capaz.
Eu sempre o tratei por João Nicolau e não por Nico e ele sempre me tratou por Maria Saudade. Não há muito tempo fizemos uma telenovela onde estava o Ruy de Carvalho e ele diz-me assim baixinho: “Ó Maria Saudade, tu não sabes a actriz que és”. Não é nada, mas ouvir isto de um homem que é, e continua a ser, para mim, um actor extraordinário, a única coisa que eu gostava de acreditar – e ele era católico e dizia sempre que não tinha medo de morrer – se chegar lá acima onde estiver o Varela, que lhe dê um grande abraço e um grande beijo por mim e que consigam dizer poesia e que ele consiga olhar cá para baixo e olhar para todos nós que pintamos a cara.
Tenho de dar uma palavra especial a todos os colegas que têm falado dele, mas se me permitem ao Senhor Presidente da República, porque é a primeira vez que um Presidente da República se lembra daqueles que pintam a cara. Interrompeu os seus trabalhos em Belém para vir dizer que o Nicolau era seu amigo e lhe mandava um abraço. E isso penso que nenhum de nós que pinta a cara se vai esquecer, porque normalmente em relação aos políticos só servimos quando há eleições.
Tenho uma grande, grande vontade de chorar. João Nicolau, até um dia, dá um grande beijo por mim a todos os que estiverem aí contigo. Até logo."
Esta é a transcrição de um comentário feito por Simone de Oliveira à Renascença, de reacção à notícia da morte de Nicolau Breyner.