Saúde mental dos portugueses vai "sair muito mal" da crise do coronavírus
08-04-2020 - 09:30
 • Anabela Góis (entrevista), Inês Braga Sampaio (texto)

A coordenadora regional de saúde mental do Alentejo e assessora para a saúde mental da DGS realça importância de manter as rotinas e evitar o isolamento social.

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A saúde mental dos portugueses vai sair com graves mazelas provocadas pela pandemia do novo coronavírus e devido ao isolamento que lhes tem sido imposto pelo estado de emergência. A previsão é da psiquiatra Ana Matos Pires, coordenadora regional de saúde mental do Alentejo e assessora para a saúde mental da Direção-Geral da Saúde (DGS).

Em entrevista à Renascença, no programa As Três da Manhã, Ana Matos Pires assume que uma situação "tão inesperada, tão estranha" como esta, que afeta "todas as áreas" da vida das pessoas, "é um grande potenciador da perturbação do funcionamento mental". Num país que já tem um particular problema com doenças mentais e excesso de toma de ansiolíticos, como Portugal, o caso ainda mais grave se torna.

"Vamos seguramente sair muito pior do que estávamos. Se já partíamos de um patamar menos bom, há preocupações acrescidas. Temos de pensar no momento imediato, nas reações agudas a uma mudança absoluta da nossa vida. Depois, daqui a uns meses, as consequências do que prevejo ser um panorama social muito negro. Estou preocupada e acho que vamos sair muito mal desta situação, por isso mesmo a resposta da saúde mental no Sistema Nacional de Saúde já se está a fazer e tem de fazer-se de forma muito objetiva e assertiva", refere.

Ana Matos Pires alerta que "isolamento físico não é sinónimo de isolamento social", pelo que as pessoas devem "usar todos os meios possíveis" para se manterem em contacto. As consequências psiquiátricas do isolamento já começam a fazer-se sentir: "Não temos números, mas sobretudo o que na gíria conhecemos como perturbações psiquiátricas mais comuns, nomeadamente ansiedade e reações depressivas, começam a surgir de forma expectável."

A importância das regras e rotinas

Apesar de o risco ser "grande para todos", a assessora para a saúde mental da DGS assume que há dois grupos especialmente vulneráveis.

"Desde logo, os doentes psiquiátricos. Os doentes psiquiátricos graves são um grupo de maior risco. As pessoas com mais de 65 anos também, porque algumas ou muitas delas terão já algumas dificuldades cognitivas de compreensão, portanto cumprir as regras e a alteração de rotinas é muito complicado, para além do aumento da própria vulnerabilidade à doença", assinala a psiquiatra.

As recomendações de Ana Matos Pires para este tempo de isolamento são claras: manter as rotinas e contrariar o isolamento social.

"Manter as rotinas, tentar replicar em casa o que fazemos habitualmente fora de casa. Ter horários para levantar, para deitar, para as refeições. Se estamos a trabalhar em casa, cumprir horários de trabalho e de descanso. Manter o contacto o mais possível uns com os outros, particularmente com os familiares e os mais idosos. Para os doentes crónicos, manter estritamente a medicação", conclui.

Em Portugal, segundo o último balanço feito pela Direção-Geral da Saúde, registaram-se 345 mortes, mais 34 do que na véspera, e 12.442 casos de infeções confirmadas, o que representa um aumento de 712 em relação a segunda-feira.

Portugal, onde os primeiros casos confirmados foram registados no dia 02 de março, encontra-se em estado de emergência desde as 00:00 de 19 de março e até ao final do dia 17 de abril, depois do prolongamento aprovado na quinta-feira na Assembleia da República.