A Comissão Nacional de Proteção de Dados ordenou à WorldCoin Foundation a suspensão da recolha de dados biométricos pelo menos durante 90 dias.
Num comunicado enviado às redações esta terça-feira, é dito que a CNPD deliberou "suspender, no território nacional, a recolha de dados biométrico da íris, dos olhos e do rosto realizada pela WorldCoin Foundation", com "vista a salvaguardar o direito fundamental à proteção de dados pessoais", especialmente no caso de menores.
Esta decisão não é, contudo, final. A "limitação temporária de recolha de dados biométricos" tem o período de 90 dias, para que a Comissão Nacional de Proteção de Dados tenha tempo para "concluir a sua averiguação e emitir decisão final".
A WorldCoin tem agora 24 horas para proceder à suspensão.
"A adoção desta medida provisória urgente surge na sequência de largas dezenas de participações recebidas na CNPD no último mês, dando conta da recolha de dados de menores de idade sem a autorização dos pais ou outros representantes legais, bem como de deficiências na informação prestada aos titulares, na impossibilidade de apagar os dados ou revogar o consentimento, que tornou imperiosa a necessidade de agir por parte da CNPD", é dito.
A CNPD admite que, através da "cobertura noticiosa feita pelos órgãos de comunicação social" trouxe "ao conhecimento da CNPD que mais de 300 mil pessoas em Portugal já tinham fornecido os seus dados biométricos".
Os espaços de recolha de dados da empresa, normalmente instalados em grandes superfícies comerciais, "quase que duplicaram em seis meses", diz o comunicado, que adianta que "a grande afluência de pessoas, incluindo de menores, para aderir" chegou mesmo a levar à "necessidade de marcação prévia do processo de registo". Não existe, assegura, a CNPD, "qualquer mecanismo de verificação de idade dos aderentes". Para além disso, os dados biométricos gozam de uma "proteção acrescida" em solo europeu, porque os riscos do seu tratamento são considerados elevados.
Assim, e tendo em conta diversas "potenciais violações" destas e de outras normas do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), a CNPD "entendeu que o risco para os direitos fundamentais dos cidadãos é elevado", o que justificou uma "intervenção urgente para prevenir danos graves ou irreparáveis".
"Esta ordem de limitação temporária da recolha de dados biométricos pela Worldcoin Foundation é, neste momento, uma medida indispensável e justificada para obter o efeito útil da defesa do interesse público na salvaguarda dos direitos fundamentais, sobretudo dos menores", diz a presidente da CNPD, Paula Meira Lourenço.
A CNPD já tinha emitido um comunicado a 8 de março onde faz "algumas recomendações e aconselha os cidadãos a ponderar muito bem a cedência destes dados sensíveis".
Worldcoin nega irregularidades
Em comunicado, o responsável pela proteção de dados da Worldcoin Foundation, Jannick Preiwisch, garante que a empresa está "em total conformidade com todas as leis e regulamentos que regem a recolha e transferência de dados biométricos", onde se inclui o Regulamento Geral de Proteção de Dados da Europa.
"A Worldcoin tem o maior respeito pelo papel e responsabilidades das autoridades de proteção de dados", é dito. "Desde que oferecemos serviços de verificação de humanidade em Portugal temos sido completamente transparentes e disponíveis para responder às questões ou preocupações da CNPD", diz Preiwisch, que diz que o relatório agora divulgado foi "o primeiro contacto" da CNPD que receberam "sobre muitos destes assuntos", incluindo "o tema de verificações por menores em Portugal", ao qual indicam ter "tolerância zero". No entanto, assumem que existem casos, embora poucos. "Estamos a trabalhar para resolver em todas as instâncias, mesmo que sejam poucas situações", asseguram.
O que é a Worldcoin?
A Worldcoin é um serviço da Tools for Humanity, uma empresa cofundada em 2019 por Sam Altman, o empreendedor por detrás do ChatGPT, e CEO da OpenAI.
O objetivo da Worldcoin é criar um passaporte digital global associado a serviços financeiros, a partir da recolha de dados biométricos que usam, a troco de um pagamento, a leitura da íris, algo que Sam Altman diz que será necessário para que as pessoas provem que são humanas num mundo dominado pela inteligência artificial.
A Worldcoin está a ser investigada em vários países e tem sido alvo de críticas por parte de defensores da privacidade devido à recolha de dados pessoais.
A Big Brother Watch sublinha que há risco de os dados biométricos poderem ser pirateados ou explorados. Madeleine Stone, desta organização britânica defensora da privacidade, acrescenta que os sistemas de identificação digital "raramente correspondem aos benefícios extraordinários que os tecnocratas tendem a atribuir-lhes".
O regulador de proteção de dados de Espanha emitiu uma proibição de três meses à Worldcoin, em resposta a queixas, no início deste mês. O Quénia suspendeu as atividades da Worldcoin em agosto.
O regulador estatal da Baviera apresenta-se como autoridade principal a investigar a Worldcoin, ao abrigo das regras de proteção de dados da União Europeia, porque a Tools For Humanity, a empresa por trás da Worldcoin, tem uma subsidiária na Alemanha.
Já a suspensão da CNPD refere-se, em vez disso, à Worldcoin Foundation - uma entidade das Ilhas Caimão descrita no seu website como "sem membros", sem proprietários ou acionistas.
O website da Worldcoin Foundation afirma que é o único membro e diretor de uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas chamada World Assets Ltd, que é responsável pela emissão dos tokens Worldcoin atribuídos às pessoas que se inscrevem.
A CNPD afirmou que a sua decisão foi dirigida à Worldcoin Foundation porque essa entidade é a responsável pelo controlo dos dados biométricos.
A Worldcoin é apoiada por alguns dos nomes mais proeminentes de capital de risco, incluindo a16z crypto e Bain Capital Crypto.
[Notícia atualizada às 12h42 de 26 de março de 2024]