O que vai ser a Presidência de Donald Trump? Toda a gente parece ter certezas. A verdade é que ninguém pode ter certezas. O começo é auspicioso? De forma nenhuma. Mas da mesma maneira que se exagerou na esperança messiânica depositada em Obama, talvez (oxalá) seja exagerada a perspectiva apocalíptica lançada sobre Trump.
É certo que a nova administração se estreia com taxas de aprovação muito baixas, e perante uma América que não estava tão dividida e crispada desde os conflitos raciais dos anos 60 ou da recondução de Nixon em 1972 (por causa do Vietname). As imagens das marchas de protesto, em Washington e por todo o mundo, mostram que o debate político não vai ser fácil no futuro próximo. E é também certo que Trump tem um programa “incendiário”: o muro contra o México, a amizade (será dependência?) em relação a Putin, a promessa de guerra à China, o desprezo em relação à Europa, as críticas à NATO, a recusa da agenda climática, o proteccionismo, o nacionalismo, etc.
O seu discurso de tomada de posse foi pobre e pouco elevado: meia-dúzia de slogans comicieiros, sem uma mensagem conciliadora e à altura das inequívocas responsabilidades dos EUA na democracia e no mundo. E foi injusto e ofensivo em relação ao seu antecessor, pintando uma “carnificina” vigente que não existe.
Muita gente não gosta daquele programa e desta América. Mas há quatro aspectos que convém notar. Desde logo, alguns dos problemas em que a América e o mundo estão mergulhados são anteriores a Trump. O ódio à globalização é uma causa da esquerda; o endividamento doméstico e a retracção internacional são um legado de Obama. Depois, há a distância da campanha eleitoral ao exercício do poder em Washington: o Presidente pode muito, mas não pode tudo, e o Partido Republicano não quererá imolar-se no altar de uma pura vaidade pessoal. Segue-se o pacote moral: o homem é “racista”, “xenófobo”, “islamofóbico”, “machista”, “sexista”, “misógino”, etc.
Sim, a Casa Branca deveria ter por inquilino alguém mais contido e bem-educado. Mas se se mistura política com moral, então a Casa Branca já teve outros inquilinos com comportamentos menos próprios. Finalmente, não pode ser esquecido que a América, tal como se plasmou no colégio de eleitores, o elegeu. Seria preferível o sufrágio directo (onde Clinton teve mais votos)? Pois reveja-se a Constituição. Meio mundo, paladino da liberdade e da tolerância, continua a achar que a democracia e as redes sociais só são boas quando elegem um dos “nossos”. E continua a não perceber que os EUA não são Nova Iorque, ou que a maioria silenciosa que elegeu Trump não é feita de “white trash”.
Foram milhões de eleitores que, sendo americanos, se preocupam com o seu país, a sua cidade, o seu emprego e o seu futuro. Podemos não gostar; mas não houve neles estupidez, nem pecado – embora haja evidentes razões para recear que a escolha tenha sido má, quer para a América, quer para o mundo.
Com a investidura de Trump, os moralistas e catastrofistas de serviço acham que a democracia está como nos anos 30: em plano descendente e a caminho da aniquilação. Mas negar ao Presidente legitimamente eleito a possibilidade de mostrar o que vale sentado na Casa Branca, e incendiar as ruas e a opinião pública com protestos violentos e palavras insultuosas, não dá saúde à democracia de que todos falam, mas que afinal anda pouco respeitada. Ainda no Sábado passado, a popular cantora Madonna foi ovacionada por uma multidão de supostos proprietários da democracia ao dizer que tinha pensado “fazer explodir a Casa Branca” (sic). Eis uma bela mensagem de tolerância!