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Mais de metade dos doentes com cancro ficou por diagnosticar por causa da pandemia de Covid-19 e do confinamento decretado com o estado de emergência. Os dados são revelados à Renascença pelo presidente da Associação dos Médicos de Família.
Segundo Rui Nogueira, o que mais preocupa os médicos de família nesta altura são os casos de cancro por diagnosticar.
“Estamos principalmente preocupados com a doença oncológica, os novos doentes de cancro. Como se sabe, é muitas vezes uma doença silenciosa, que carece de alguma – muita – destreza para diagnosticar, muita perspicácia dos médicos para pedir exames complementares, aprofundar exames, de modo a podermos diagnosticar. Estamos a falar de cancro e o cancro não nos dá muita margem, muito tempo de espera”, sublinha.
Pelas suas contas, “metade do habitual, talvez mais de metade do habitual” ficou por diagnosticar.
“Este ano, tenho quatro doentes já diagnosticados com cancro de novo. É uma média de um por mês”, quando, habitualmente, “cada médico de família poderá diagnosticar entre 10 e 20 cancros de novo por ano”.
Rui Nogueira conclui, por isso, “que, durante dois meses, podemos estar a fazer uma diferença que pode chegar aos 10% a 20%, grosso modo. O que é muito, são muitos casos”.
Muitas consultas ficaram por fazer em todas as especialidades, desde que foi decretado o estado de emergência em Portugal, no dia 16 de março, mas os médicos de família estão, sobretudo, preocupados com os doentes oncológicos – porque o cancro não pode esperar e muitos exames fundamentais para o diagnosticar ficaram suspensos.
No topo das preocupações está o cancro do estômago e do intestino, que têm uma forte incidência em Portugal.
“Vamos ter que fazer um esforço de diagnóstico, de encaminhamento destes doentes. Um grande volume de cancros são do tubo digestivo e nós usamos como meio de diagnóstico habitual as endoscopias e colonoscopias. Todos esses exames estão atrasadíssimos. Não sei quanto tempo vamos precisar para recuperar dois meses e meio de exames. Julgo que esse será o problema maior”, admite o presidente da Associação de Médicos de Família.
Nesta entrevista à Renascença, Rui Nogueira prevê que sejam necessários entre quatro e seis meses para reorganizar os serviços de saúde, entre consultas e exames. E explica porquê.
“Quando vamos de novo para um local e temos de reorganizar as consultas, demoramos seis meses. Aqui não é totalmente de novo, mas podemos dizer que quatro a seis meses hão-de ser necessários para reorganizar as consultas e voltarmos a uma velocidade cruzeiro”, afirma.
O especialista alerta ainda para a necessidade de fazer esta organização antes do próximo Outono.
“Temos de o fazer seguramente antes de outubro/novembro, quer porque é expectável que haja uma segunda onda – e, portanto, esta situação seria desastrosa se não tivéssemos recuperado o atraso – quer porque vamos entrar na fase de gripe sazonal e a gripe tem uma dimensão que é muitíssimo expressiva nas nossas unidades de saúde”, sustenta.
Nestes últimos dois meses, os médicos de família seguiram os doentes crónicos, mas estiveram sobretudo centrados nos casos de Covid-19.
“Neste momento, são mais de 96%, ou seja, quase a totalidade dos casos ativos estão a ser seguidos pelos médicos de família. Isto é assim desde o dia 23 de março. Temos taxas diárias superiores a 90% dos casos ativos. E isto decorre do facto de serem, na maior parte dos casos, situações clínicas simples, autolimitadas, com evolução favorável”, aponta.
Nesta terça-feira, 19 de maio, assinala-se o Dia Mundial dos Médicos de Família, um trabalho de proximidade que ainda não chega a 100% dos portugueses.