Um entendimento será "demorado", mas tudo parece correr de feição a uma soma de vontades à direita para acabar com a hegemonia socialista nos Açores. O processo de "geringonciação" está em curso na região autónoma e ao que foi dito à Renascença por participantes neste processo “as coisas estão a correr bem”.
O Chega não precisa de entrar no governo para que haja governo de direita, basta que não seja um obstáculo. E parece que não quer ser, segundo indicam à Renascença várias fontes. Ao contrário do que indicariam as declarações do seu líder logo na noite eleitoral.
O resultado das eleições de domingo ditou uma maioria de direita, com PSD, CDS, Iniciativa Liberal e Chega a somarem 29 votos, enquanto o PS, partido mais votado, ficou com 25 deputados, perdendo a maioria absoluta. O Bloco de Esquerda elegeu dois parlamentares e o PAN estreia-se com um deputado. Ou seja, os votos da esquerda somam 28.
Logo na noite eleitoral, o líder do Chega, André Ventura, rejeitou entendimentos com o PSD. “Quando estiverem todos sentados a definir um acordo de coligação, eu sei que partido não vai lá estar. Esse partido é o Chega", disse Ventura, num hotel em Ponta Delgada, no domingo à noite, depois de eleger dois deputados e de ser mesmo o terceiro partido mais votado na ilha de S. Miguel.
Na noite eleitoral, Ventura criticou o presidente do PSD, Rui Rio, que acusou de "se ter afastado do Chega" e de ter estado "sempre ao lado do Partido Socialista, sempre a dar a mão ao Governo, sempre a dar a mão aos interesses instalados". Mas também disse que, depois destas eleições, o PSD tem de aprender que passa a ter de contar com o Chega.
"Se o dr. Rui Rio não perceber o resultado destas eleições e a força que o Chega ganhou nos Açores, não percebeu nada do que se passa em Portugal ao longo dos últimos meses", disse Ventura.
A solução para uma maioria de direita está desenhada na cabeça de muitos dos que, à direita, estão desde domingo à noite a fazer contas para encontrar forma de aproveitar a maré que ditou o fim da maioria absoluta do PS. Depois da surpresa e do choque, depois da primeira reação de André Ventura, que parecia fechar uma porta em cheio nas ambições do PSD, são várias as fontes que adiantam à Renascença que tudo parece correr bem nas conversas tidas à direita. A alternativa a ter o Chega no governo, que implicava um compromisso mais difícil, quer para o PSD, quer para André Ventura, que tem uma campanha pela frente, passa por uma saída simples: não ter o Chega no governo regional.
Na verdade, basta que André Ventura dê indicação, primeiro, para que os 2 deputados que conquistou ajudem a derrubar o executivo socialista e, depois, viabilizem um governo formado pela maioria de direita. Isto porque, segundo as regras açorianas, o programa de governo tem de ser votado na assembleia legislativa regional, ao contrário do que acontece na Assembleia da República, onde só é votado se algum partido apresentar um projeto de resolução nesse sentido.
Na noite eleitoral, só o Bloco de Esquerda anunciou que não apresentará qualquer proposta de rejeição do programa de governo que Vasco Cordeiro vier a apresentar e que também não se juntará aos votos da direita para o rejeitar.
PS com esperança no CDS
O PS, que no primeiro governo de Carlos César teve o apoio parlamentar do CDS, já tentou essa mesma aproximação e, ao que a Renascença sabe, houve mesmo pelo menos um encontro formal. Para os socialistas, a solução seria viraram-se para os seus “aliados históricos” na região. Como lembrou um dirigente socialista à Renascença, o PS e CDS são aliados históricos nos Açores, quer no tempo da maioria do PSD, quer na maioria relativa em 1996, quer mesmo em confluências parlamentares bem-sucedidas nos orçamentos dos governos PS em maioria absoluta.
A história fez os socialistas pensar que seria mais possível contar com os aliados de sempre do que com os aliados de esquerda. Uma espécie de gerigonça com o BE e o PAN seria, como reconhecem os dirigentes açorianos, impossível e inútil, pois não garantiria os votos necessários a uma maioria parlamentar.
Daí que apostassem numa uma “caranguejola à moda dos Açores”, com PS, CDS e PPM, que concorreu na ilha do Corvo em coligação com o CDS e elegeu um deputado.
Contudo, logo na noite eleitoral, o presidente do CDS nacional, Francisco Rodrigues dos Santos considerou que “o CDS foi um partido determinante para retirar a maioria absoluta ao PS” e garantiu que “os órgãos regionais do partido saberão ler a vontades de mudança que os açorianos expressaram”. A inclinação do CDS é, agora, para a formação de uma maioria de direita que vá ao encontro da vontade que os açorianos expressaram nas urnas.
Ao que a Renascença apurou, as negociações entre PSD e CDS já decorrem e "parecem bem encaminhadas", depois de uma reunião entre os líderes regionais dos dois partidos. José Manuel Bolieiro e Artur Lima terão tido um encontro na Terceira, ilha onde reside o líder do CDS-Açores.
A questão, como evidencia outra fonte ouvida pela Renascença, é que André Ventura não pode ficar com o ónus de ser ele a permitir a manutenção do poder socialista nos Açores; seria fatal para o discurso do líder do Chega, que tem uma campanha presidencial pela frente.
Tudo depende, portanto, do equilíbrio entre essa impossibilidade e as exigências que fará para permitir que essa maioria de direita possa acabar com o reinado de 24 anos do partido socialista nos Açores.
A esta conjugação de interesses deve também juntar-se a Iniciativa Liberal que elegeu um deputado e que na noite eleitoral manifestou disponibilidade para viabilizar uma solução alternativa ao PS.