Sally Costerton, CEO da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), alertou para os riscos de definição de novos protocolos e os "cortes generalizados" ('shutdowns') de internet em alguns países poderem “quebrar” a sua interoperabilidade.
"É claro que os governos precisam regular, mas a questão é como os reguladores entendem o funcionamento da internet”, afirmou Costerton no debate "How to Stop The internet from Unravelling", que contou também com o Andrew Sullivan, CEO da Internet Society.
Se cada Governo tentar implementar regulações individualmente, tal poderá ter impacto a nível global, fragmentando a internet e dando lugar a “bolhas” digitais.
A CEO da ICANN relembra que em 30 anos a "internet unificada" continua a existir e "nunca teve quebras", mas salienta que pode haver um risco de fragmentação, principalmente perante elevada politização e o nacionalismo emergente.
Costerton crê que a politização do mundo "é um exemplo recente de como essa ameaça é real”.
“Parece que entrámos num período em que a cooperação internacional é muito menos interessante para as pessoas, em termos políticos, do que as tendências nacionalistas. Por isso, ouvimos falar muito da soberania dos dados nacionais, etc., como não ouvíamos antes. Isto é bastante arriscado para a Internet”, defendem os especialistas, explicando que a Internet não foi concebida para estar encerrada em espaços nacionais.
“Se desligar isso, perde-se essa caraterística. E vemos países a seguirem esse caminho. É por isso que, por exemplo, na Internet Society, temos uma plataforma chamada Pulse que rastreia os ‘cortes’ da Internet e eles estão a aumentar”,
Para Costerton, o risco não vem apenas dos países que limitam o acesso dos cidadãos à Internet, e relembra quando a Ucrânia pediu para “desligar os russos da internet” após a invasão da Ucrânia. “Não o conseguiríamos fazer e também temos a obrigação de ser neutros”, justifica, acrescentando que “se pudéssemos fazer isso, quebraríamos a confiança”.
“Há um processo de educação que temos de fazer para que os reguladores entendam como funciona a Internet”, afirma, explicando que a fiabilidade da internet vem da sua infraestrutura.
A CEO da ICANN refere que é necessário uma criar regulação que não coloque em risco a integridade da Internet. “Se quebrarmos a Internet é difícil voltar a ‘colar’. É um risco”, alerta.
Andrew Sullivan lembrou a regulação da internet não tem um “interruptor” específico, a cobertura é internacional.
Sullivan defende que o truque para prever efeitos da regulação é “analisar as consequências a longo prazo” e que “internet shutdowns” são sempre uma “má decisão”. Acrescentou que a própria tentativa de regulação da Inteligência Artificial pode limitar as oportunidades de utilização da ferramenta.
Para os oradores, é importante que as pessoas não tomem a Internet, como a conhecemos, como garantida.
Consterton alerta para a forma como as pessoas demonizam a tecnologia e reitera que “há enormes oportunidades que vêm das ferramentas que temos ao nossos dispor”.
Sullivan relembra que as pessoas já receiam o impacto do ChatGPT e o mesmo acontece com a internet, mas defende que a ideia básica de culpar a internet pela desinformação é muito estranha.
“O que acontece é que culpam a internet pela conduta humana”, argumenta, relembrando que a tecnologia não é boa nem má, a culpa está na forma como é usada e que o problema está em regular o mau comportamento.
Sullivan e McAfee também para o impacto económico da regulamentação das plataformas digitais, podendo travar a inovação.
Com a tecnologia a desenvolver-se a um ritmo bastante acelerado, surge a necessidade de criar regulação.
Como se pode regular algo que não sem compreende?
A questão foi o mote do painel “How not to regulate tech”, que contou com Mick Mulvaney, presidente do Conselho de Administração da Actrum e ex-conselheiro estratégico da Casa Branca, e Brittany Kaiser, fundadora da Own Your Data.
Vários especialistas têm apontado que a evolução tecnológica relacionada com a Inteligência Artificial tem sido muito mais rápida do que a sua regulação e que a falta de regulação pode dever-se à falta de compreensão sobre o tema.
Para Mulvaney a solução passa pela literacia: explicar aos deputados do Congresso e aos reguladores como estas ferramentas funcionam, mas mesmo os "mais inteligentes não têm muita exposição a isto”.
“Enquanto indústria, temos uma enorme dificuldade em educar as pessoas. Ainda estou a educar os meus antigos colegas sobre o que é a ‘blockchain’ e como funciona. Como é que lhes vamos explicar a IA?”, questiona.
Para Mulvaney há duas maneiras de estragar a regulamentação: “pode-se regular de forma errada ou não regular de todo”.
“Uma das coisas que me preocupa é, não só regular mal mas, simplesmente abdicar da obrigação de regular, porque, às vezes, nenhuma regulação pode ser pior do que má regulação”, defende.
Brittany Kaiser concorda, acrescentando que é necessário que percebam a base da informação. De relembrar que, além de denunciante da Cambridge Analytica, Kaiser trabalhava a tempo inteiro em regulação e atualmente legisla sobre proteção de dados, privacidade e ativos digitais.
Kaiser relembra que, no início de 2018, o escândalo de dados da Cambridge Analytica e do Facebook ocorreu antes de o GDPR ser promulgado, mas questiona como legislar a IA se ainda não regulam a proteção dos dados pessoais.
“Se não estamos a regular a forma como os dados pessoais são utilizados, a custódia, a responsabilidade fiduciária, a propriedade dos dados, as leis de transferência de dados, se não temos tudo isso a nível federal, como é que vamos começar a falar de algoritmos preditivos avançados que são tão avançados que são realmente inteligência artificial?”.
A delatora considera “extremamente importante que não apenas promulguemos legislação e regulamentação que sejam de bom senso, mas que sejam realmente aplicáveis”. “Como provavelmente já viram, especialmente com o GDPR. Tem sido muito difícil fazer cumprir essas leis”, relata.
A fundadora da Own Your Data defende, porém, a importância de que a regulação também não bloqueie a inovação e diz que a chave para a regulamentação da Inteligência Artificial (IA) é clara: juntar legisladores a especialistas do mundo tecnológico. Porquê? É a única forma de garantir regras úteis, mas não demasiado apertadas.
“Precisamos realmente de trabalhar em conjunto com legisladores, reguladores e tecnólogos para garantir que podemos ter regulamentos que sejam aplicáveis, de bom senso e que nos permitam proteger-nos de maus atores, ao mesmo tempo que capacitamos os empresários a construir produtos incríveis que tornam as nossas vidas um lugar melhor”, explica.
Para Kaiser é “extremamente importante perceber como é que chegamos aos legisladores e reguladores e é preciso muito tempo de contacto direto”, por isso é necessário que os empresários estejam no Congresso e nos gabinetes dos presidentes de câmara e dos governadores.
“Se não escreverem aos vossos senadores e aos vossos membros da Câmara, às pessoas que estão a regular o vosso trabalho e a vossa indústria, então vão ser regulados sem o vosso contributo”, apela Kaiser, acrescentando que é necessária uma desconstrução “peça por peça”.
“A regulamentação da IA tem de proteger os cidadãos, de estar de acordo com o que a maioria das pessoas entende como «senso-comum», mas também tem de empoderar os empreendedores que trazem ideias interessantes à sociedade. Já percebemos há muito tempo que banir ou asfixiar a tecnologia não é uma boa solução”, explicou a ativista dedicada à literacia digital.
“Mais do que incluir especialistas, que explicam aos membros do Congresso [dos EUA] os assuntos sobre os quais vão legislar, é preciso partir a regulação da IA em pedaços mais pequenos. A legislação atual é muito abrangente e tenta resolver todos os problemas ao mesmo tempo. A tecnologia é muito complexa: ajuda mais se fizermos leis específicas para cada uma das questões”.
E Brittany acrescenta logo de seguida: esta divisão ajuda também os denunciantes, que “passam muito tempo” a explicar conceitos técnicos enquanto ajudam as autoridades.
“Definições pequenas e leis específicas ajudam as instituições a começarem a inteirarem-se aos poucos dos termos científicos. Muitas vezes, os denunciantes preparam um discurso sobre o funcionamento dos algoritmos e das redes sociais, por exemplo, e, quando estão frente a frente com as autoridades, têm de explicar até o que é uma base de dados”, remata.
A fundadora da Own Your Data, conclui que “proibir a tecnologia não é uma boa regulamentação, especialmente quando se começa a tentar proibir. Como com a Bitcoin “Vamos manter-nos afastados da legislação draconiana que diz que não se pode fazer isto de maneira nenhuma. Estes produtos tecnológicos não são permitidos e isso não faz qualquer sentido. O melhor e mais importante tipo de regulamentação é aquela que é formulada com tecnólogos que compreendem o funcionamento da tecnologia”.Para Mulvaney, o melhor tipo de regulamentação é “aquele que pode crescer com a tecnologia e crescer com a inovação” e que “não a mata logo à partida”.