Enfrentando o vírus com coragem, força e persistência na linha da frente
12-01-2021 - 06:48
 • Inês Sousa Soares*

Os profissionais de saúde não são os únicos que estão na linha da frente do combate à Covid-19. Centenas de voluntários ou profissionais de outras áreas também arriscam a saúde para ajudar os outros. Este postal vem desse lugar inóspito onde se vêem as consequências mais duras desta pandemia.

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Retornemos ao dia 12 de março de 2020. Nessa altura realizava um estágio numa escola pública no Porto, de modo a concluir o meu mestrado em Educação. Depois de semanas infindáveis a falar com vários professores e funcionários sobre o vírus, sobre a forma como este se propagava e sobre a necessidade, ou não, de fechar as escolas, foi finalmente decidido pelo Governo encerrar todas as escolas, obrigando a que milhares de estudantes ficassem em casa.

E de repente também eu estava em casa. Com um estágio por concluir, um mestrado por acabar mas, acima de tudo, a sentir-me impotente por saber que muitas instituições e pessoas estavam a precisar de ajuda e eu em casa, descansada, a ver filmes e séries. Como poderia sentir-me bem enquanto “lá fora” o mundo e o país viviam na incerteza, na dúvida?

Este pensamento mantinha-se como a voz de um “grilo falante”, constante, a tentar chamar-me à razão. Não podia continuar a deixar passar os dias. Então, comecei à procura de algo. À procura de projetos que cidadãos, que não fossem profissionais de saúde, pudessem estar a fazer na luta contra pandemia. Essa procura iria, sem dúvida, mudar o meu ano de 2020 e, arrisco-me a dizer, a minha vida!

Apesar de querer ajudar, sabia que teria de procurar um projeto que garantisse a minha integridade física e, por isso, fosse seguro. Já tinha feito outras ações de voluntariado, mas desta vez a minha vida também estava em jogo, uma vez que não se tinha (nem se tem) um profundo conhecimento em relação à Covid-19. Por isso tinha de ter a certeza de que, apesar das minhas boas intenções, não iria ser prejudicada pelas mesmas. Passados uns dias de pesquisa encontrei o projeto COmVIDas. Por ser um projeto criado por pessoas que conhecia, senti-me mais confortável e, sem pensar duas vezes, inscrevi-me logo no site. Após algumas reuniões por Zoom (esta devia ser, sem dúvida, a palavra mais utilizada no ano de 2020), foi com muita alegria que soube que faria parte do segundo grupo a partir em missão para dar apoio ao lar de Vila Nova de Foz Côa.

Com um pequeno frio na barriga, entrei no lar e acho que foi a partir desse momento que muitos aspetos na minha vida mudaram. Apesar da aflição e da confusão que se observava na cara dos nossos velhinhos (sim, porque fazem parte de Portugal), era com profunda simpatia que nos recebiam, que partilhavam histórias e carinhos (apesar de estarmos vestidos de “astronautas”). Mas, neste lar, destaco, sobretudo, a união e a amizade que se vivenciava entre todos os utentes que, para mim, foi aquilo que os “salvou”.

Depois de um mês em Vila Nova de Foz Côa, tive, necessariamente, de voltar “à vida real”, ao meu dia-a-dia, ao estágio que estava a realizar (um estágio agora à distância) e procurar, desta vez, missionar em casa, apoiando a minha família naquilo que também eles precisavam. Mas, sentia que tinha de fazer mais, que podia ser ainda mais útil. Continuava a receber mensagens, quase todos os dias, a dizer que precisavam urgentemente de pessoas em diferentes lares. E, por isso, a minha missão ainda não tinha terminado.

O meu próximo destino foi, então, Reguengos de Monsaraz. Sim, para aquele lar que foi falado durante dias, até semanas, nas notícias. Aqui, o trabalho que fiz foi bastante diferente. Não pensem que o vírus ataca só a nossa saúde física, causando, por vezes, febre, tosse, dores no corpo e/ou cansaço. O vírus atacou, e ataca, seriamente, a saúde mental das pessoas que foram, ou estão, infetadas. Sentem-se assustadas e ansiosas porque não sabem que efeitos é que o vírus terá neles. E os nossos velhinhos não só vivenciam isto, mas também se sentem verdadeiramente confusas porque, de repente, o seu dia-a-dia é profundamente alterado. Mas, mais uma vez, mostraram a resiliência que caracteriza o nosso povo e partilharam a sabedoria que caracteriza os nossos idosos.

E, por fim, mas não por último, o lar de Gouveia. Foi uma semana que me marcou imenso. Quando cheguei ao lar faltava uma semana para o Natal. Nas ruas vivia-se o espírito natalício e as pessoas, apesar de tudo, estavam felizes e contentes por poderem estar com a família. Eu estava entusiasmada e descansada porque sabia que, apesar de com imensos cuidados, ia poder estar com a minha família. E, de repente, dou de caras com um silêncio absurdo. Dentro daquele lar o Natal parecia estar tão longe. E porquê? Porque os nossos velhinhos sabiam o que lhes esperava... Um tempo que deve ser aproveitado com a família, um tempo de receber mas também de dar, nada disso eles iriam poder vivenciar. Por isso, naquele lar e naquela semana, tínhamos apenas uma missão: dar-lhes o melhor Natal possível. Foram dias de dar música, carinhos e presentes. Foram dias para dançar, cantar, conversar e partilhar. Mas a família não podia ser esquecida e, por isso, foram também dias de videochamadas, de lágrimas de felicidade e de saudade. Foi o natal possível, diferente mas, sem dúvida, inesquecível.

Tenho dificuldade em dizer que estive na linha da frente, porque estar na linha da frente é continuar a servir e a lutar pela saúde de todos, todos os dias, como todos os profissionais de saúde fazem. Em todo o caso, para mim, estar na linha da frente significou viver com coragem, força e persistência, enfrentando o vírus. Acima de tudo foi querer, desesperadamente, lutar para que este não afetasse a saúde física e mental dos que estavam infetados.

Acredito que os 305 voluntários que fazem ou fizeram parte do projeto COmVIDas, as 31 instituições que foram ajudadas e as 33 missões que foram feitas, permitiram que se tivesse cuidado, no profundo sentido da palavra, de 1.347 idosos e que, sobretudo, se tenham trazido, novamente, a vida e a alegria aos lares. Porém, sei que podermos ser muitos mais e, consequentemente, chegaremos a muitas mais pessoas que precisam. O povo português é um povo caloroso, de carinhos e afetos e, por isso, de pessoas boas, empáticas e altruístas. Que tenha conhecimento, um projeto como este não existe no nosso país vizinho, por exemplo. E isso já quer dizer muito do nosso país, do nosso povo, que se quis tornar útil para ultrapassar esta pandemia. Por isso, faço este apelo: juntem-se a este projeto. É um projeto seguro, onde se podem fazer os outros felizes, um projeto com o qual se pode crescer e aprender, muito.

Hoje, continuo a sentir que a minha missão na luta contra esta pandemia ainda não acabou.


*Inês Sousa Soares nasceu no Porto em 1995. Uma de cinco irmãos (a sua irmã mais velha também está na linha da frente, mas como médica) está a concluir o seu mestrado em ensino e durante a pandemia esteve presente em três lares de idosos, ao serviço do grupo COmVIDas.