O novo ministro da Educação tem reafirmado, repetidamente, o seu apreço pelos professores, o grande grémio socialmente desvalorizado, e do qual solidariamente se reivindica.
É nessa linha que surge a questão das potenciais alterações à formação docente inicial. Ficaríamos mais descansados se esta última viesse responder a uma ideia – nova – da escola que precisamos, ou talvez mais sensatamente, das transformações que lhe aconteceram e exigem resposta. Que a exigência dessa reflexão surja, mais apressadamente, da simpatia ou da urgência em resolver o problema da escassez de recursos humanos (expressão que João Costa tem a gentileza de não usar), é sempre motivo para alguma angústia.
Neste universo do (recuperado) reconhecimento da relevância docente para a subsistência e evolução da escola, a formação inicial de professores convoca uma reflexão fundamentada e rápida, mas serena, para poder ser produtiva e implementável. Como as metas e o funcionamento das escolas estão em abrupta mudança, a renovação dos sistemas e das organizações – sem destruição e sem esbanjamento de recursos – requer pessoas capacitadas para as transformar com segurança, com determinação e com conhecimento.
Há, pois, que fornecer aos professores os instrumentos necessários para construírem o mapa mental da evolução da organização escolar e, de acordo com as circunstâncias, o seguirem de forma criativa, isto é, flexível e otimizada. Precisamos, pois, de começar por uma ideia mais precisa da escola e assim podermos determinar com clareza as áreas em que os futuros docentes precisam de ser educados e treinados.
Os bons professores facultam os meios para a aprendizagem e, em simultâneo, as ferramentas que estimularão o desenvolvimento pleno da personalidade dos alunos. Para isso, precisam de saber estabelecer relações humanas genuínas e justas, que acolham os alunos e gerem confiança nestes.
No atual contexto de complexidade e de diversidade sociocultural, é importante que os professores em treino aprendam, pois, a trabalhar, a investigar e a estudar de modo cooperativo. Só a cooperação – recuperando a influência positiva dos alunos uns sobre os outros e sobre o professor – possui o potencial inclusivo que nos faz falta numa escola que seja verdadeiramente para todos e isso deve ser incentivado no ensino superior.
Contrariamente ao que se possa pensar, a inclusão não é um ideal inatingível ou uma excentricidade dos tristes santos da direita e dos alegres pecadores da esquerda, é uma necessidade humana muito básica pela qual se deve lutar de modo permanente, com inteligência e com motivação.
Depois, como o currículo será, cada vez mais, integrado e multitemático, a formação inicial dos docentes tem de garantir não só a sólida aprendizagem científica de um (amplo) domínio dado, como a aquisição da consciência epistemológica deste – na centralidade do que lhe é fundacional e estrutural e na sua relação com os outros campos do conhecimento – para que o professor possa, a partir de um comum curricular, desenvolver a extensão e o aprofundamento deste em função dos seus alunos.
Trata-se de aprender a encontrar e a redesenhar uma pedagogia que faça a ponte entre a herança daquilo que já se sabe e o binómio inteligência-motivação para aquilo que se pode vir a saber. A complexidade em que estamos imersos apela, naturalmente, a um professor que é este construtor de cultura, que participa da elaboração dos significados e na reformulação da função, junto com os seus alunos, obrigando a um maior aprofundamento inicial e a uma imersão satisfatória nos ambientes em que se experimenta, se decide e de cria.
A escola de hoje é, ainda mais, criticamente relacional, e a opacidade que os professores inexperientes sentem quanto ao comportamento e às experiências dos seus alunos tem de ser contrariada com uma formação psicológica dirigida à especificidade do ambiente escolar e, de passagem, ajudar os adultos a descortinar-se, a interpretar-se e a antecipar os enviesamentos a que os seus próprios julgamentos estarão sujeitos.
Desde modo se terá em conta quão frequentemente os professores têm de tomar decisões sobre problemas que ocorrem em simultâneo e num clima de grande incerteza, pois é assim que funcionam os ambientes de crescimento, ambientes esses que, progressivamente, ganham a riqueza da lição que está onde a educação tiver lugar, mas se expõem a níveis quase impossíveis de imprevisibilidade.
O professor que educamos, pois, para liderar os seus grupos de alunos, necessita de reemergir de grandes núcleos de informação, de os interpretar, saber aplicar e traduzir em sistemas que os tornem acessíveis aos mais jovens. Isso exige uma formação teórica sólida, mas igualmente uma prática consistente no desenvolvimento do reportório de soluções.
Este último só será verdadeiramente produtivo se colocado em diálogo com a compreensão da relevância que a escola tem para as sociedades democráticas e o seu bem comum. Um factor e outro, que estão nos livros, exigem um saber prático, de observação e de reflexão, que deve reenviar o futuro professor para a escola e para as dinâmicas que esta estabelece com a “cidade educadora”: certamente algo em que precisamos de pensar é na multiplicação das oportunidades de contacto com a escola, e com os ambientes que interagem com ela, de que todos os futuros professores devem usufruir ao longo de toda a sua formação.
Finalmente, uma palavra a propósito dos educadores de educadores. (Re)construir esta formação de professores invoca inúmeros problemas de índole moral, escolhas éticas difíceis, pois um(a) professor(a) não é um super-homem, nem uma super-mulher, mas tem de ser humanamente competente, um adulto construído, formado, confiante, saudável e disponível.
Alguns desses problemas circulam em torno do papel do ensino superior e de como este deve servir as necessidades concretas de tal complexo perfil. Com um bocadinho de atenção vamos constatar que exige uma organização curricular e metodológica própria, e de como esta vai afetar a forma como se estudam os problemas do ensino, da aprendizagem escolar e da educação a nível da investigação científica, com as devidas consequências para a avaliação dos professores universitários.
Acompanhar professores neste grande caminho de aprender a educar o futuro tem muito mais de diálogo generoso, de acompanhamento atento, de modelagem crítica, de visita à realidade, do que de estatística. Mas assim talvez garanta melhor o desejo e o impulso do professor em direção a novas formas e novas etapas da sua própria construção, que aprenda a aprender tal como aprende a ensinar. E isso terá o seu (positivo) impacto.