Descontentamento na Sérvia leva a confrontos com a polícia
11-07-2020 - 17:30
 • Filipe d'Avillez com Lusa

São várias as razões que levam os sérvios para a rua, entre a revolta com a forma como o Presidente Vucic tem lidado com a pandemia e preocupações com o estatuto do Kosovo.

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Pelo menos 71 pessoas, entre as quais um britânico e tunisino, foram detidas após uma noite de violência durante uma manifestação em Belgrado, na sexta-feira à noite, contra a gestão da Covid-19 pelo Governo, anunciou este sábado a polícia.

“Entre os detidos estão muitos estrangeiros vindos da Bósnia, Montenegro, Grã-Bretanha e Tunísia”, disse o diretor da polícia, Vladimir Rebic, numa conferência de imprensa, enquanto eram mostradas num ecrã as fotografias dos passaportes dos dois cidadãos britânicos e tunisinos.

Segundo a imprensa local, o britânico tem 24 anos e o tunisino 54 anos.

“Os passaportes foram os documentos com os quais estes cidadãos entraram no país. A Sérvia acolheu-os na esperança de que eles vinham para cá passar um bom momento, mas vieram destruir e atacar a polícia”, afirmou Rebic, que pretende investigar a influência destes estrangeiros na violência das manifestações.

Nos confrontos de sexta-feira à noite, 14 polícias ficaram feridos, mas desde que as manifestações começaram, na terça-feira, já são 130, adiantou o diretor, sem avançar números quando aos manifestantes feridos.

Contestação bicéfala

A Sérvia tem assistido a várias noites de protestos contra o Governo de Aleksander Vucic, com muitas das manifestações a acabar em cenas de violência com as autoridades.

O Presidente, que está ausente do país para negociações sobre o futuro do Kosovo, culpa os seus adversários políticos pela violência e contestação, mas a verdade é que os protestos juntaram pessoas de vários quadrantes políticos.

As primeiras manifestações partiram de cidadãos de Belgrado que estavam descontentes com a forma como Vucic lidou com a pandemia. Depois de uma primeira fase em que o Presidente, que governa a Sérvia há vários anos, impôs medidas drásticas de confinamento para evitar a proliferação do vírus, seguiu-se um desconfinamento que os seus críticos dizem ter sido demasiado rápido para tentar agradar aos cidadãos em vésperas de eleições.

“No espaço de uma semana tivemos três ordens consecutivas que levaram da proibição total de ajuntamentos a carta branca. No futebol, por exemplo, tivemos jogos à porta fechado no domingo, com algum público na quarta e com meia casa no sábado seguinte, o que implicou que a meia-final da Taça, um dérbi, teve 20 mil pessoas, a maioria apertadas nos mesmos setores”, diz Lazar Divjak, que vive em Belgrado, em declarações à Renascença.

“O Novak Djokovic recebeu luz verde para organizar um torneio humanitário de ténis, com casa cheia e foram permitidas festas, casamentos e todo o género de festividades. Tudo por causa das eleições”, afirma.

Vucic venceu as eleições tranquilamente, mas o resultado foi uma subida brusca no número de infetados e a situação, que parecia estar controlada, passou a drástica. “Agora estamos a bater os recordes de mortes e o número de novos casos é quase tão alto como no pico da pandemia. O sistema de saúde está a desmoronar-se diante dos nossos olhos. Há relatos sobre doentes críticos em toda a parte. Há filas de cinco horas para as pessoas terem as suas primeiras consultas de Covid, com médicos exaustos. Não há camas suficientes nos hospitais”.

Minutos depois de Vucic ter anunciado um regresso da quarentena a Belgrado milhares de pessoas começaram a sair à rua para protestar. Mas na mesma conferência de imprensa o Presidente disse que ia para Bruxelas para participar em mais uma ronda de negociações sobre o Kosovo, um território que ganhou independência depois de uma guerra entre a maioria de etnia albanesa e a Sérvia, mas que os sérvios vêem como o berço da nação e da identidade nacional. Esse facto levou grupos mais conservadores, incluindo de extrema-direita, a desconfiar que Vucic estava a aproveitar a situação da pandemia para ceder em relação ao Kosovo, a troco de poder avançar nos processos de adesão à União Europeia.

Aos milhares de manifestantes contra o Governo juntaram-se assim grupos conservadores e de direita e a situação rapidamente tornou-se violenta. Mas mesmo esta violência, segundo Lazar Divjak, foi orquestrada pelas autoridades, que terão colocado agentes dos serviços de informação do estado à paisana entre os manifestantes, para atacar os polícias e incendiar os ânimos.

O resultado tem sido vários dias de protestos noturnos e de violência entre polícia e manifestantes, com o recurso a gás lacrimogénio, com muitos feridos entre civis e membros das forças de segurança.

Em Paris, onde se encontra agora, Vucic acusa os seus opositores políticos de orquestrar os protestos e lamenta que as manifestações agravem a epidemia. “O problema é que os protestos se tornaram violentos porque eles não têm nada para oferecer às pessoas”, afirmou.

Até ao momento a Sérvia contabiliza perto de 400 mortos por Covid-19, segundo dados oficiais, e um total de mais de 17 mil casos de infeção.