Há poucos dias, na Capela do Rato, o cardeal-Patriarca Emérito, D. Manuel Clemente, debateu durante cerca de uma hora com o fundador e ex-líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã. O tema, “Cristianismo e Marxismo, um debate datado?”, tinha tudo para trazer ao de cima velhos antagonismos e fraturas expostas. O perfil antagónico dos dois intervenientes, acrescentava ainda ingredientes suficientes para que o encontro fosse palco de um autêntico duelo ideológico.
Não foi. Porque foi muito mais do que isso, fugindo propositadamente a qualquer sensacionalismo, combate inútil ou tentativa maniqueísta de reduzir o debate a uma questão binária de ‘sim ou não’, ‘certo ou errado’, ‘ganhar ou perder’. Talvez, por isso mesmo, a cobertura deste encontro tenha escapado à generalidade dos órgãos de Comunicação Social nacionais.
E é pena. Numa altura em que o xadrez político saído das últimas Legislativas põe os dois principais partidos portugueses na obrigação de um entendimento - ou de vários entendimentos -, o exemplo de dois extremos que se conseguem aproximar é bom. Aliás, é raro no panorama nacional.
E isso é, de novo, uma pena. É certo que é bom ouvir o ainda líder da bancada social-democrata, Miranda Sarmento, falar, no arranque dos trabalhos parlamentares, do “chão comum dos interesses do País” que pode e deve unir as várias bancadas e segurar o próximo Governo. E se as palavras do deputado ressoam aos apelos do Papa Francisco para o bem da nossa “Casa Comum” é cedo para fazer prognósticos sobre o evoluir da situação política nacional e atirar foguetes às hipóteses de entendimentos parlamentares. Tal como, em abono da verdade, os resultados dos apelos do Papa para a defesa global do planeta tardam em ver resultados…
Mas, voltemos ao debate da Capela do Rato. O choque de ideias, doutrinas ou ideologias não é uma condenação perpétua a uma separação. Só os “monolíticos” sofrem de ausência de “capacidade mútua de diálogo”. Só os extremismos não compreendem – e integram- que “a realidade é superior à ideia”.
As citações são de D. Manuel Clemente e replicam as do Papa Francisco, mas complementam-se na perfeição com outras tantas que poderia usar e que foram proferidas por Francisco Louçã. Como que “a capacidade de nos ouvirmos uns aos outros ultrapassa a literalidade que os textos e as doutrinas podem ter”. Ou a certeza de que “a palavra é mais importante que o Mistério, porque o Mistério é sempre indecifrável. A palavra é nossa. Somos nós e aquilo em que nos empenhamos”, disse Francisco Louçã.
Há um ano, na defesa do seu modelo de Economia, o Papa disse quase o mesmo. “A realidade é superior à ideia” porque “toda a teoria é parcial, limitada, não pode pretender encerrar ou resolver completamente os opostos. Assim é também todo o projeto humano. A realidade escapa sempre”.
Baixar à terra, portanto. As ideias são guias, mas não são o caminho. Esquerda ou direita, socialismo ou social-democracia, literalmente, não resolvem cada um dos nossos problemas. E, são muitos. São demasiados para, na verdade, nos esquecermos de olhar a realidade de frente e tentar mesmo e empenhadamente, torná-la melhor.