As dificuldades em conciliar trabalho e família estão a originar “diversas tensões entre os profissionais da medicina, quer no seio familiar quer ao nível do funcionamento dos hospitais e centros de saúde”. O alerta foi feito em comunicado pela Associação de Médicos Católicos, que em março ouviu os seus associados sobre esta matéria.
Os resultados da consulta mostram que a maior parte dos médicos, 73%, consideram mais difícil fazer essa conciliação no Sistema Nacional de Saúde, enquanto 39% dão nota negativa para a situação que se vive no setor privado. Resultados que surpreenderam Pedro Afonso, psiquiatra e presidente da AMC: “foi uma surpresa, sim, porque o Estado é bastante regulamentado, e em princípio devia dar o exemplo, mas a insatisfação com a conciliação trabalho e família no Serviço Nacional de Saúde é claramente maior”.
O inquérito envolveu 181 associados, com uma média de idades a rondar os 46 anos, mais de 75% deles casados e com filhos. Cerca de metade trabalham por turnos no serviço de urgência, e um quarto dos médicos só tem uma folga por semana, o que comprova que este problema afeta boa parte da classe. “Há um excesso de carga horária. Cerca de 40% da nossa amostra trabalha mais de 50 horas por semana, e cerca de 26% trabalha seis dias por semana”, diz à Renascença Pedro Afonso.
Segundo o estudo da AMC os médicos trabalham em média 47 horas semanais, mas para a maioria a partir das 43 horas já existe um claro prejuízo para a vida familiar e 98% dos inquiridos defendem, por isso, a adoção de medidas de conciliação trabalho-família, que promovam a satisfação dos profissionais de saúde, e consideram que deve ser o Estado a assumir “um conjunto de boas práticas de responsabilidade social”, em relação às quais “não pode manter-se alheio”. Pedro Afonso dá como exemplo as creches. “Não faz sentido que não se pense em facilitar a vida dos que trabalham no sector da saúde criando creches, que já existiram no passado, ou pelo menos protocolos com creches que fiquem próximas de hospitais”. Outras medidas propostas passam pela flexibilidade dos horários e pelo trabalho a tempo parcial, que permita a assistência à família, nomeadamente aos idosos.
Pedro Afonso espera que este inquérito venha a ser alargado, para que o assunto seja devidamente tido em conta por quem legisla e decide. “Fazemos o convite à Ordem dos Médicos, para que possa alargar este estudo a mais médicos, e também a outras classes profissionais, porque é um assunto que nos preocupa e que tem a ver com a vida de todos nós, não só dos médicos, mas também dos enfermeiros e outros profissionais de saúde”, sublinha o presidente da AMC, lembrando que a negociação laboral não se pode resumir às questões salariais. “Não quer dizer que a remuneração não seja importante, mas o tema do tempo, o tempo de lazer e o tempo para dedicarmos à família, é muito pouco discutido nos tempos que correm, e aquilo que verifico, também pela minha experiência profissional enquanto psiquiatra, é que em várias áreas profissionais, há cada vez uma substração maior por parte do trabalho ao nosso tempo e, portanto, há que reverter esta tendência. É uma questão também de cultura que está a acontecer no nosso país”.
Este vai ser um dos temas a debater no próximo encontro nacional da Associação de Médicos Católicos, que vai decorrer no próximo dia 21 de Abril, em Lisboa. As inscrições estão a decorrer.