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Tudo começou quando leu pela primeira vez a trilogia de livros de Joseph Ratzinger sobre a vida de Jesus. Deixou-se cativar pelo dimensão teológica de Bento XVI e admite que teve pena que os organizadores do encontro com o mundo da Cultura, no Centro Cultural de Belém, aquando da visita a Portugal daquele Papa, em 2010, tenham partido do princípio que, sendo protestante, não teria interesse em estar presente.
Tiago Cavaco, músico e pastor da Igreja Baptista da Lapa, conversou com a Renascença sobre a sua admiração pelo Papa Bento XVI e de como acompanhou a sua visita a Portugal em Maio de 2010.
Quando começou este seu interesse pelo Papa Bento XVI?
Comecei a acompanhá-lo mais quando li a trilogia “Jesus de Nazaré”, já Joseph Ratzinger era Papa. É verdade que por uma questão de temperamento, quando as pessoas têm uma reputação menos popular, isso tende a atrair-me e Bento XVI, antes de ser Papa, de uma maneira geral, a comunicação social nunca falava dele de uma maneira propriamente favorável, o que sempre despertou a minha curiosidade.
Mas esse apreço não existia em relação ao Papa João Paulo II, que foi o Papa durante a maior parte da sua vida...
Como o Papa João Paulo II é o Papa da infância da minha geração, às vezes fica mais difícil lidar com figuras assim porque são anteriores à nossa consciência.
Aquilo que me chamou mais atenção já foi aquela fase final de decadência física. E a esse nível, apesar de eu não ser um seguidor das coisas que João Paulo II escrevia, impressionou-me muito o modo como ele terminou, até à morte. E não nego que o único desapontamento que tenho com Bento XVI é ele não ter feito a mesma coisa que João Paulo II, porque, quando ele resignou, na altura, pareceu-me uma espécie de luxo alemão diante do sacrifício polaco. E tive pena, porque fiquei sempre muito impressionado pelo testemunho de coragem e de permanência, mesmo já dentro do sofrimento de João Paulo II.
O que é que o cativou mais precisamente no “Jesus de Nazaré”?
Foi uma coisa que não conhecia nos meus anos de interesse consciente pelo catolicismo romano, que era um Papa teólogo. João Paulo II, apercebi-me depois, também era uma pessoa de reflexão teológica profunda, mas não era teólogo como Bento XVI era. O livro “Jesus de Nazaré”, em particular, dá-nos um Papa que é um estudioso da Bíblia, um teólogo e que nos leva para o texto bíblico e que transmite que o texto bíblico é uma coisa valiosa.
Não estou a dizer que os outros papas não têm essa preocupação, mas sendo eu um cristão protestante houve, de facto, uma identificação maior com o Papa Bento XVI, que ainda por cima é alemão, do país de Lutero, que conhece muito bem Lutero e que cita Lutero no próprio “Jesus de Nazaré”.
Independentemente das divergências que existem entre um protestante e um católico romano, acho que é difícil um protestante, do qual se espera que ame a Bíblia, não se sinta muito enriquecido quando lê o Papa Bento XVI. A esse nível, o amor ficou.
Há quem diga que com Bento XVI o diálogo ecuménico deu um passo atrás. Ele teve várias iniciativas ecuménicas, mas talvez mais a um nível teológico e menos emocional do que João Paulo II.
Se falar com outros protestantes em Portugal, de uma linha mais europeia, teologicamente mais progressistas, as preocupações com o diálogo ecuménico são muito grandes. A ironia é que, sendo eu um cristão protestante, dar um passo atrás no ecumenismo é uma coisa que acho positiva. Porque a minha leitura do fenómeno ecuménico não é necessariamente a leitura que tem vingado nas últimas décadas. Acredito que o verdadeiro ecumenismo não é provavelmente tão bem servido com aquilo que geralmente se associa à causa ecuménica.
Joseph Ratzinger era, na minha opinião, não um passo atrás no ecumenismo, mas uma revalorização daquilo que se crê. Um Papa teólogo muito mais facilmente vai valorizar a teologia e não a ter como um empecilho. E quando se valoriza a reflexão teológica é mais fácil valorizar aquilo que na teologia é realmente diferente. Portanto, o paradoxo acontece precisamente nisto: eu como cristão evangélico valorizo a cautela ecuménica do Papa Bento XVI porque, tal como ele, tento levar muito a sério aquilo que é a reflexão teológica e aquilo que continua a ser diferente entre o catolicismo romano e o cristianismo evangélico.
Para uma comunidade que é minoritária em Portugal, como é que são vistas as visitas de um Papa?
Sendo as igrejas evangélicas o maior movimento minoritário em Portugal, elas têm dentro de si uma grande heterogeneidade, que, no fundo, também existe dentro do catolicismo romano. Na realidade das igrejas evangélicas a pessoa poderá encontrar uma relação quase hostil a uma visita do Papa a Portugal. Por outro lado, as gerações mais novas podem encontrar até pura e simplesmente indiferença. São dois extremos com os quais não me identifico.
Enquanto cristão evangélico não vou redesenhar o facto de o catolicismo romano ser anterior à própria fundação do país. Portanto, não dá para pensar na visita do Papa a um país católico, de maioria católica, culturalmente católico, e querer torná-lo neutro ou inexpressivo. Parece-me absurdo.
Como é que viveu a visita de Bento XVI a Portugal?
Recordo-me muito bem, foi há pouco tempo, e ainda por cima calhou no dia em que nasceu o meu filho Caleb. Aliás, dois bons amigos, bons católicos, o Filipe Costa Almeida e o Manuel Barbosa de Mattos, mais conhecido como Manuel Fúria, insistiram que eu chamasse Bento ao meu filho por causa disso. Mas, apesar de eu ter um grande amor por Bento XVI, ainda assim eu e a Rute preferimos chamá-lo Caleb.
Mas lembro-me bem desse dia, porque, apesar de eu ser um cristão protestante, o afecto que já sentia por Bento XVI fez com que aquela visita papal, não sendo a visita de um pastor da minha igreja, fosse vista por mim com olhos diferentes, em comparação com as visitas de João Paulo II.
Chegou a participar nalgum dos encontros com ele?
Não... É uma das coisas que lamento, porque na altura algumas das pessoas que estavam envolvidas num dos encontros que o Papa Bento XVI teve no Centro Cultural de Belém, presumiram erradamente que pessoas cristãs evangélicas como eu não teriam interesse de estar lá. Mas de facto teria tido muito prazer em ter estado nesse encontro.
Mas tentei ir acompanhando. Lembro-me de tentar acompanhar mais proximamente a missa no Terreiro do Paço e uma das coisas que ficou comigo é que em comparação com o Papa João Paulo II, e parece-me que também com o Papa Francisco, o embalo mariano de Bento XVI parecia-me mais moderado, e nesse sentido olho para ele com mais agrado.
Mesmo nos livros do Bento XVI, a referência a Maria é incontornável, porque não dá para não referir Maria sendo Papa, mas é verdade que era sempre uma referência mais amena. Houve quem teorizasse que uma visita a Fátima para Bento XVI era quase uma coisa que não faria com tanto prazer... Não acredito nisso, acho que ele o terá feito com todo o prazer, mas há alguma maior contenção da parte dele quando o comparamos com João Paulo II e com aquilo que se espera do Papa Francisco. É fácil um protestante relacionar-se mais com isso, mesmo reconhecendo a devoção mariana a Bento XVI.
Ele veio numa altura em que estava em cima da mesa e à espera de promulgação a questão do casamento gay, que é promulgada três dias depois de ele se ir embora... Isso significa que a visita dele não teve o impacto que as pessoas esperavam? Foi um fracasso?
Não sei se foi um fracasso da visita porque também não conheço exemplos de outros países em que as visitas dos Papas estejam a proporcionar uma influência tão marcante na política que é feita.
Em Portugal não aconteceu, mas a pergunta é: onde é que está a acontecer? Na Europa, onde é que as visitas dos Papas estão a ter uma leitura tão nítida na mudança de factos políticos?