Jovens futebolistas que passaram pela Academia BSports, em Riba de Ave, confirmam à Renascença a prática de retenção de passaportes dos atletas por parte da direção.
Além dos passaportes retidos, os jovens queixam-se de má alimentação e de restrições de circulação.
Husnain Khan, de 20 anos, proveniente do Dubai, relata à situações que considera "estranhas" com alguns jogadores.
“Eu tinha o meu passaporte, mas muitos outros não tinham os seus. Era a academia que tinha esses documentos”, conta.
"Era muito estranho, porque o passaporte é o que de mais importante podes ter. Sem passaporte não és ninguém, não tens identidade”, reforça.
Khan conta ainda que muitos jovens jogadores tentariam escapar também devido às condições de alimentação não serem as melhores, mas a retenção de passaportes impedia a fuga.
“Eu sei que tinham passaportes, porque muitos tentavam escapar e essa era a forma de evitar fugas da academia. E muitos podiam escapar, porque havia muitos problemas. Por exemplo, por vezes, a alimentação não era a melhor, porque todos eram futebolistas e precisavam da melhor alimentação possível, mas, na maioria das vezes, a comida não estava ao nível das exigências de um jogador de futebol”, diz.
Por tudo isto, Husnain considera um desperdício os dois mil euros que pagava mensalmente: “Sim, acho que é um desperdício de dinheiro, porque muitos chegam aqui para cumprir os seus sonhos, jogar futebol profissional, conseguir um contrato, mas chegam aqui e levam muito dinheiro, é um desperdício. Eu pagava - ou melhor, o meu pai pagava - dois mil euros, mensalmente."
“Algumas pessoas fugiam. Não cumpriam o contrato e fugiam"
Este cenário é confirmado por outro atleta ouvido pela Renascença, mas que preferiu manter o anonimato.
O jovem de 19 anos e proveniente da América do Sul foi um dos atletas retirados da academia para uma instituição de acolhimento. Revela que a retenção de passaportes pretendia evitar a fuga dos jovens.
“Algumas pessoas fugiam. Não cumpriam o contrato e fugiam. E isso era mau para a academia. Então eles começaram a tentar tirar os passaportes, mas a mim nunca tiraram”, diz, observando que “eles fugiam porque não gostavam das regras, não gostavam de estudar e assim”.
O jovem de 19 anos confirma, ainda, as dificuldades que os alunos tinham para abandonar a academia e cancelarem a sua inscrição. No entanto, revela que a direção justificava os entraves à saída dos atletas com os contratos assinados.
“Havia pessoas que não gostavam de estudar ou jogar e tentavam ir embora e a direção dizia que não estavam a cumprir o contrato e exigia dinheiro. Claro que as outras pessoas ficavam zangadas, queriam ir embora assim, sem pagar, sem nada”, assinala.
Restrições havia, também, no que respeita à saída dos atletas das instalações da academia.
Segundo este jovem, “os menores de idade tinham que sair em grupo e encarregavam o responsável. Eles não podiam sair quando queriam, não tinham autorização”.
“Em contrapartida, nós, maiores de idade, já podíamos, mas só aos sábados e aos domingos, das 8 às 10. Mas, para isso, tínhamos que pedir autorização até à quarta-feira anterior”, conclui.
Os habitantes da freguesia de Riba D’Ave, em Vila de Famalicão, ficaram “surpreendidos” com as suspeitas de tráfico humano, sobretudo de menores, envolvendo a BSports, academia de formação de futebolistas dirigida pelo presidente da AG da Liga de Portugal, Mário Costa.
O caso de tráfico de pessoas na academia em Riba d'Ave ainda está a ser investigado pelo SEF, que anunciou ter sinalizado 47 vítimas de tráfico, 36 delas menores.
Na sequência das acusações, Mário Costa demitiu-se do cargo de presidente da mesa da assembleia geral da Liga.