A irmã Elisabete Almendra, missionária comboniana portuguesa que se encontra no Sudão do Sul há dois anos, diz que a visita do Papa ao país "é um momento enorme e muito bonito que não se pode perder".
“Todas as dioceses, todos os bispos já se estão a mobilizar para estar com o Papa", diz a religiosa nascida na Ericeira, destacando que o país está "a sair de uma guerra” e tem “uma Igreja ainda em construção".
Em entrevista à Renascença, a partir de Wau, a segunda cidade mais populosa do país, a irmã Beta, como é conhecida, lembra que “na região de Malakal as pessoas vivem como deslocados, como refugiados e são milhares de pessoas nesta situação”.
A missionária comboniana sublinha que na região “todos os dias há conflitos, todos os dias há mortes”, permanecendo, por isso, “um grande medo de que o que se passa em Malakai seja um rastilho que se possa estender a todo o país, até porque no próximo ano temos eleições”.
Como sempre acontece com visitas papais, questiona-se sobre se esta deslocação de Francisco ao Sudão do Sul poderá ajudar ao processo de paz. A missionária espera que sim e lembra que “o Papa tem rezado pela paz no Sudão do Sul", algo que "tem tocado o coração dos nossos políticos”.
Durante a sua permanência na capital do país, o Papa “vai também encontrar-se com deslocados”. A irmã Beta assinala que “um grupo virá falar com o Papa, encontrar-se com ele, em Juba, a capital, onde a situação social e de segurança é bem diferente, pois vive-se em paz".
"Tal como em Wau, onde eu vivo, em Juba nota-se que há já alguma esperança, apesar de termos um grande caminho a percorrer."
Nesse caminho, terão de ser encontradas soluções para fazer face à fome que subiste. “Claro que há fome. A maior parte destas pessoas continua a depender das Nações Unidas e das Organizações não Governamentais (ONG) para poder comer”, enfatiza.
“O normal em Juba e em Wau é as pessoas comerem uma vez por dia. E é com sorte”, reforça a missionária, ilustrando a situação com o exemplo do que vai vivendo na escola secundária onde dá aulas. A irmã Beta revela que quando chegou, há dois anos, os estudantes “ainda tinham acesso a uma refeição na escola”, mas foi necessário cortar esta ajuda porque “a ONG que apoiava este projeto teve de ir para outros lados e cortaram a refeição nas escolas".
"Os jovens que, provavelmente, só comiam na escola passam agora enorme dificuldade”, aponta Beta Almendra.
"Por vezes, encontro jovens e pergunto porque é que não vão à escola, porque é que não vão às aulas, e eles respondem 'porque estou doente'. Quando insisto e volto a perguntar porque é que está doente e se tem comido, a resposta é negativa: 'há uma semana que não como, tenho apenas bebido chã'."
" A realidade é muito, muito precária”, reforça.
A missionária portuguesa diz que muitas ONG estão a sair do território porque "com a guerra na Ucrânia e com outras situações de grande necessidade, a ajuda tem de ser canalizada para esses locais”.
"Agora, estamos na estação seca, que é boa para viajar, mas para as pessoas é muito má porque não se pode cultivar nada”, acrescenta.
Apesar das enormes dificuldades, a irmã Beta Almendra destaca a “enorme capacidade de resiliência das pessoas que passaram por uma guerra, viveram a Covid e também sofrem as consequências da Guerra na Ucrânia".
"No fim, as pessoas estão contentes e agradecem a Deus por estarem vivas. Há aqui um agradecimento a Deus enorme por estarem vivas, por conseguirem viver o dia a dia e porque têm uma refeição por dia."
Trabalho com raparigas: “Um pedaço de sabão é considerado um enorme presente”
Há dois anos no Sudão do Sul, a Irmã Beta Almendra trabalha “na ação pastoral, na paróquia, com os catequistas, nas escolas” e está envolvida também num projeto de “trabalho com meninas para promover as jovens, porque dificilmente terminam a escola secundária e as que terminam acabam por engravidar e casar e não têm possibilidade de ir para a universidade”.
A missionária comboniana tenta ajudar, procurando solução para maiores dificuldades, através do pagamento de propinas para que mais raparigas possam ir para a universidade. "Entre 100 estudantes universitários, apenas encontramos 10 meninas”, exemplifica.
"A ideia é acompanhar estas jovens para ver o que lhes falta”, argumenta. E falta-lhes quase tudo: "Quantas vezes vou às suas casas e deixo sacos de comida para conseguirem continuar a estudar..."
"Quando as visito e lhes deixo um pedaço de sabão para elas e para a família, elas dizem: 'uau! grande presente que recebemos'."
A irmã Beta fala com grande entusiasmo do seu "grande projeto” e para este ano planeia montar "uma sala com computadores, telemóveis e internet para as capacitar mais com estes meios, que são tão necessários no presente e no futuro".
Mas há mais: "Vamos tentar ter uma bicicleta para cada uma das meninas, de modo a deslocarem-se mais facilmente entre casa e escola, para não terem que andar quase 10 quilómetros entre casa e escola e deixarem de ir, por estarem cansadas e não conseguirem”.
"O nosso papel é olhar para estas situações de grande pobreza, de estar com elas, acompanhá-las e dar-lhes muita, muita esperança”, reforça.
Visita do Papa: “Não se pode perder este momento"
O Papa deverá chegar ao Sudão do Sul no dia 3 de fevereiro, depois de ter estado na República Democrática do Congo, permancendo na capital, Juba, até dia 5.
Do programa de viagem faz parte um encontro com deslocados e o Papa deverá também reunir-se com bispos, sacerdotes e religiosos na Catedral de Santa Teresa.
A irmã Beta assegura que “todas as dioceses, todos os bispos já se estão a mobilizar para estar com o Papa, pois haverá uma representação de cada diocese em Juba, até porque é um momento enorme e muito bonito que não se pode perder, tal como não se pode perder a JMJ, em agosto".
"É uma grande oportunidade de estarmos e rezarmos uns pelos outros e pela paz”, diz.
A missionária portuguesa lembra também que no Sudão do Sul “os bispos foram eleitos há mais ou menos dois ou três anos e estão ainda a formar-se as dioceses”, estando-se, assim, perante “uma Igreja ainda em construção". Por isso, "é também muito importante para os bispos sentirem esta união da Igreja” com a presença do Papa no país.
"É algo que serve para encorajar, dar força e dar esperanças aos bispos e a toda a igreja."
“Tudo isto é muito importante. Nesta caminhada sinodal, é importante sentirmos que somos igreja, que não estamos isolados, que estamos juntos, apesar de sermos o Sudão do Sul”, remata.