A mensagem enviada na quarta-feira pelos bispos católicos a Joe Biden, por ocasião da inauguração do seu mandato como Presidente dos Estados Unidos, está a provocar divisões e mal-estar entre a hierarquia daquele país.
Na sua mensagem, assinada pelo presidente da Conferência Episcopal, o arcebispo José Gomez, de Los Angeles, a conferência episcopal saúda o novo Presidente, que se identifica como sendo católico, mas recorda que ele defende posições que são antagónicas com as da Igreja.
“Devo sublinhar que o nosso novo Presidente já se comprometeu a promover certas politicas que avançariam males morais e ameaçam a vida e a dignidade humana, sobretudo nos campos do aborto, contraceção, casamento e género”, diz o comunicado.
“De grande preocupação é a liberdade da Igreja e a liberdade dos crentes poderem viver de acordo com as suas consciências”, lê-se ainda.
Joe Biden diz que pessoalmente não concorda com o aborto mas tem sido enfático no seu apoio à sua legalização, tendo pedido e obtido o apoio durante a sua campanha da Planned Parenthood, a maior organização abortista nos Estados Unidos. O Presidente comprometeu-se ainda a reverter a política da Cidade do México, que proíbe o financiamento com dinheiros públicos americanos de programas que apoiam ou promovam o aborto em países terceiros.
Conflitos politicos e religiosos
Durante a presidência de Barack Obama, de quem Biden foi vice-Presidente, os bispos tiveram vários conflitos com a Administração relacionadas com a liberdade religiosa. O famoso “Obamacare”, o plano de saúde que foi uma das principais bandeiras daquele Presidente e que, de resto, mereceu o apoio inicial dos bispos, incluía na sua redação final a obrigação de todos os empregadores de financiarem serviços contracetivos e abortivos para os seus empregados. As igrejas propriamente ditas estavam excluídas, mas outras instituições religiosas, como escolas e hospitais confessionais, ou mesmo empregadores que se opõem pessoalmente a estas medidas, eram obrigados a aderir. Obama nunca cedeu e o caso acabou por ir parar ao Supremo Tribunal, num processo movido pelas Irmãzinhas dos Pobres, uma ordem feminina católica.
A administração de Donald Trump alargou as exceções possíveis, mas prevê-se que Biden volte atrás com essa decisão, levando o assunto novamente ao Supremo Tribunal, embora agora, com uma maioria sólida conservadora, seja natural que o assunto fique resolvido no sentido da liberdade religiosa.
Na sua mensagem o arcebispo Gomez insiste que “os bispos católicos não são agentes partidários na política nacional” e elogiou os apelos feitos por Biden para a unidade e para sarar as divisões que se acentuaram no país nas últimas décadas.
O arcebispo pede ainda ao Presidente que entre em diálogo com a Igreja sobre assuntos como o aborto e as políticas da família o que, considera “faria muito para restaurar o equilíbrio social e responder às necessidades do nosso país”.
Por outro lado, o arcebispo expressou a sua satisfação por ter a oportunidade de trabalhar com Biden que, “claramente compreende, de forma profunda e pessoal, a importância da fé e das instituições religiosas”.
É habitual os bispos publicarem uma mensagem por ocasião da inauguração de um novo Presidente, mas o tom adotado por Gomez não agradou a todos, sobretudo a alguns dos bispos mais liberais.
O cardeal Blaise Cupich, de Chicago, manifestou publicamente o seu desagrado, lamentando que os restantes bispos não foram consultados sobre o documento antes de este ser divulgado, o que considerou ser uma “falha institucional interna”.
O tom da mensagem de Gomez contrasta bastante com a do Papa Francisco, que também enviou uma mensagem, mas evitou qualquer assunto polémico ou posição de confronto.
Já o cardeal Tobin, que também é da ala liberal do episcopado católico, lamentou precisamente o tom da mensagem. “Mesmo as pessoas que por natureza seriam favoráveis ao Presidente têm dificuldade em compreender como é que ele conjuga a sua posição sobre o aborto – que é tão importante para os católicos – com a fé que tem sido tão importante para ele ao longo da sua vida”, escreveu.
Contudo, continua, “o que eu não compreendo é por que razão as pessoas usam uma linguagem tão dura e querem cortar com toda a comunicação com o Presidente, por causa disto”.
Ao longo da tarde, hora local, vários outros bispos emitiram os seus próprios comunicados, colocando-se do lado de Gomez ou dos seus opositores e a revista “America”, uma publicação dos jesuítas americanos, cita um alto funcionário da Curia Romana que terá descrito a mensagem de Gomez como “muito lamentável” e espera que esta não provoque “maior divisão na Igreja dos Estados Unidos”.