O ministro não está doente. Ainda bem. Vimo-lo, pela última vez, a comemorar a vinda, para Portugal, do final da Champions League. Estava com bom aspeto. Mas não o vimos, nem ouvimos, sobre nada do que verdadeiramente nos interessa: o que pensa ele fazer para combater a pandemia com que nos vamos deparar, já em setembro: o aumento do insucesso escolar dos mais vulneráveis? Ou, simplesmente, o que está ele a preparar para o novo ano onde parece pairar a ideia, peregrina, de que as aulas presenciais podem, e devem alternar com o regresso à telescola? Será verdade?
Não querendo exigir demais gostava ainda de saber o que anda o ministro a fazer para prevenir que, a perto de 15 dias dos exames, os miúdos não vão todos parar ao hospital. O receio justifica-se perante taxas de infeção pós-confinamento a aumentarem 145% (dos zero aos dez anos) e mais de 95% (dos dez aos 19).
Ou melhor, o que lhe ocorre para prevenir que se perca e desperdice aquele resto de ano perdido que ainda falta gastar em festas e festarolas, de miúdos cansados de descansar o ano inteiro.
Se alguém souber do seu paradeiro era bom informar pelo menos o nosso primeiro-ministro que, embora vá dando uma no cravo e outra na ferradura, sempre vai opinando sobre isto e quase tudo. E agora até quer aumentar as penas dos organizadores.
Dou a António Costa o benefício da dúvida de, pelo menos, estar preocupado. No fundo os portugueses precisam saber, com algum caráter de urgência, o que reserva Brandão Rodrigues ao futuro dos nossos filhos?
No meu caso gostava de saber, por interesse mesmo egoísta, o que se vai passar no pré e nos pós exames, do 12º ano? Como é que o sistema de avaliação e entrada no Ensino Superior vai ser minimamente justo de forma, a sem penalizar quem joga ali o seu futuro, também não traumatize aqueles que, com maior ou menor défice de atenção, menos ambiciosos e voluntaristas, menos disciplinados ou simplesmente muito mais livres e felizes estão vagamente de férias há uns quatro meses bem medidos.
Aqueles que acham mesmo que “vai ficar tudo bem!” (numa boa!) e acreditam mesmo na história que lhes tem sido contada. Por isso estão cansados de olhar para ecrãs onde professores, ainda mais exaustos do que o habitual, e geralmente de alto risco (mais de 60 anos e múltiplas maleitas acumuladas na esperança de uma reforma que tarda a chegar) pedem muita desculpa, mas não se chegam a cruzar fisicamente com os alunos que lhes moem o juízo nos zooms e congéneres onde, ou lhes falta o som ou lhes escondem o vídeo e ora entram, ora saem, e sobretudo quase sempre não ligam nada ao que está a acontecer do outro lado da dita “ plataforma”.
Há ainda aqueles que sofrem da síndrome da maturidade precoce e estabelecem planos de estudo próprio, defendendo com unhas e dentes a teoria de que as aulas “presenciais/via online” são simples perda de tempo.
Eles como todos os jovens, de todos os tempos, passados os 17 anos, acham que sabem bastante mais do que os pais, os professores, os políticos com destaque para o desaparecido ministro da tutela e encontraram logo, no princípio da pandemia, forma mais eficaz de continuar a estudar do que olhar para ecrãs, onde professores da idade da pedra os tentam convencer de que a internet dentro da qual já todos eles nasceram é um instrumento ao serviço da escola verdadeiramente extraordinário. Ora que descoberta!
O Dr. Brandão que me desculpe, mas sabê-lo contemplado com uns vagos 500 milhões no Orçamento Suplementar para adquirir equipamento informático a distribuir pelas crianças mais vulneráveis é pouco. O dinheiro é importante. A falta dele impede algumas políticas e esvazia outras bem-intencionadas. Mas, convenhamos, o sucesso escolar comprometido este ano não se resolve com um novo programa ao estilo do Magalhães. Esse não é o ovo de Colombo. É bom, mas é pouco.
Pouquíssimo. Não é só o risco de que o novo equipamento vá de novo parar à feira da ladra, para a informática resultar são precisas mesas, cadeiras, candeeiros, privacidade, capacidade de concentração, silêncio e ajuda muito ter alguém, por perto, que domine não apenas o funcionamento da máquina, mas sobretudo o mínimo da matéria.
E tudo isso falta a milhares de miúdos. Para já nem falar dessa coisa tão básica como a ligação à net. Uma ligação difícil naqueles 200 bairros de construção “abarracada” sem água canalizada, e luz de “puxadas” onde os professores nem sequer conseguem encontrar os 60% de alunos que nem conseguiram encontrar para lhes levar via polícia de proximidade, mesmo impressos, alguns trabalhos de casa.
Este país é triste, mas existe. Chama-se Portugal e é tão “safe and clean” que, em bairros à beira da Trafaria como o Segundo Torrão, nem água canalizada tem. Pormenores.
Os nossos meninos e meninas em prisão preventiva nos últimos meses recusam ficar em prisão domiciliária “ad aeternum” e, a menos que lhes coloquem pulseiras eletrónicas, andarão perdidos das escolas até que estas abram de novo e lhes ofereçam outra vez pequeno almoço, almoço e lanche que desses sim, há muito que já estão a sentir falta.
No mais, vão-se contentando a andar por aí de festa em festa, a matar saudades dos amigos e a estagiar para clientes assíduos das nossas cervejeiras de que ganharão cartões de fidelidade antes mesmo de terem aberto a primeira conta bancária.
A alta classe média já tratou do assunto. Contratou baby-sitters, explicadores, professores privados. O ano vai decorrendo e o futuro em Oxford não está comprometido. A baixa classe média fez o que pode; teletrabalhou até às tantas, tele explicou aos fins de semana, tele ensinou em todo o tempo livre, “googlou”, que se fartou, que a sabedoria exigida a um miúdo de dez anos tem coisas que não lembram ao diabo. Mas, no fundo, acreditam que os filhos vão safar-se. Para o ano há mais e a exigência não pode ser igual.
O povo que andou a trabalhar, sem parar todo este tempo, a tratar dos velhos e dos vizinhos doentes, que tem mais medo de perder o emprego de que receio de que o miúdo perca o ano, nunca soube os reis da primeira dinastia e nunca ouviu falar de Arquimedes, espera simplesmente que tanto descanso não lhes arraste os filhos para a droga e já desistiu de os ver um dia a viver melhor do que eles. Mas mesmo esses estão à espera de uma palavrinha do ministro. Cansados da fila para o Banco Alimentar precisam de saber quando abrem os ATLs e se os refeitórios vão passar a funcionar para todos e todo o tempo.