A ideia de que "ninguém pede para morrer se está bem" juntou esta quinta-feira milhares de pessoas contra a despenalização da morte assistida junto ao parlamento, defendendo que há um país que está lá dentro e outro lá fora.
Durante duas horas, manifestantes de várias zonas do país concentraram-se no largo em frente à Assembleia da República para apelar aos deputados indecisos que tomem uma posição contra os cinco projetos de lei, que hoje estão em discussão e votação em plenário.
Artur Mesquita Guimarães era um dos presentes. Saiu às 8h15 de Vila Nova de Famalicão acompanhado por quatro dos seus seis filhos. Católico, criticou os partidos e deputados pelas iniciativas. "Há um país que está lá dentro e um país que está cá fora", afirmou Artur Mesquita Guimarães, que começou por dizer ser contra "referendar a vida", mas, perante a atual situação, essa poderá ser a única solução viável.
No entanto, essa não era uma opinião unânime. Sofia Guedes e Graça Varão, fundadoras do Movimento Stop Eutanásia, explicaram a sua posição desfavorável ao referendo: "Está em causa uma questão ética, moral, humana", que não deve ser " deixada ao sabor de um movimento da própria população, porque a vida está acima de opiniões individuais".
Na manifestação de hoje, a maioria dos protestantes eram crianças ou jovens, como João Paulo Guimarães, de 19 anos, que faltou às aulas para participar na concentração. "Ninguém pede para morrer se está bem", disse à Lusa o estudante do 2.º ano de Engenharia Civil da Universidade do Porto.
Uma ideia corroborada por Paula Fonseca, de 58 anos, que hoje também participou nos protestos ao lado da sua mãe de 92 anos.
Paula Fonseca contou um episódio ocorrido com a sua prima Sara Fonseca, enfermeira no Alentejo: "O senhor queria morrer e decidiram modificar-lhe a medicação. No dia seguinte, quando acordou, disse 'obrigada, enfermeira Sara, esta noite até fiz amor com a minha mulher'. No dia seguinte morreu".
Também a futura enfermeira Marta, de 21 anos, partilha a ideia de que a solução passa por um maior investimento nos cuidados paliativos, e não pela despenalização da eutanásia, contanto que a sua experiência profissional tem reforçado essa opinião. "Vejo muito sofrimento em hospital, mas nunca vi uma pessoa a pedir para morrer", disse a estudante do 4.º ano de Enfermagem à Lusa, sublinhando que "as pessoas pedem companhia, consideração e valor, não pedem para morrer".
O estudante de engenharia do Porto João Paulo Guimarães contou que a eutanásia tem sido debatida nas aulas e também nas missas. "No domingo, no fim de todas as missas, o senhor padre avisava sempre que havia alguém à porta a recolher assinaturas", contou o jovem, que frequenta uma paróquia em Famalicão.
Adelaide, de 75 anos, trocou hoje o conforto da sua casa em Famalicão pelas ruas de Lisboa. Tem lutado pelo referendo e contou à Lusa que, sempre que pode, vai para a sua paróquia ajudar a recolher assinaturas.
No início do mês, um grupo de cidadãos iniciou uma recolha de assinaturas para a realização de um referendo. Durante o protesto, várias jovens tinham hoje como missão angariar novos nomes, com o objetivo de atingir as 60 mil necessárias para o assunto ser referendado.
Muitos dos manifestantes consideraram que a despenalização da eutanásia é um "retrocesso civilizacional" e criticaram os partidos por apresentarem projetos que não constaram dos seus programas eleitorais.
Depois de duas horas a protestar em frente ao parlamento, os manifestantes seguiram para uma das entradas laterais da assembleia para tentar entrar e assistir ao debate, que começou as 15h00. Por volta das 17h00, ainda havia dezenas de pessoas à espera para entrar, uma vez que os lugares nas galerias foram hoje poucos para tanta gente interessada no tema.
Apesar do assunto ser sério, alguns dos contestatários conseguiam manter a boa disposição durante todo o dia, como Paula Fonseca que perguntou à mãe, de 92 anos, se "estava interessada numa pastilha para ir desta para melhor".