Eutanásia "pode ser um vendaval" na reunião de deputados do PSD. Há quem defenda que bancada devia ter abandonado votação
14-12-2022 - 23:31
 • Tomás Anjinho Chagas , Susana Madureira Martins

A direção da bancada do PSD quer "debater o calendário da apresentação de iniciativas legislativas para o próximo ano” na reunião com os deputados desta quinta-feira, mas há quem antecipe que possa haver "um vendaval" em torno da eutanásia. Não é garantido que o tema seja abordado, mas há quem acuse desde já a direção parlamentar de "falta de rasgo". Outros vêem na tentativa falhada de discussão do referendo o arranque de uma nova estratégia do partido: a colagem do PS ao Chega.

É a primeira reunião da bancada do PSD desde a tentativa de referendar a legalização da eutanásia - cuja admissão pelo Parlamento foi rejeitada - e espera-se que o tema não escape à ordem de trabalhos. “Essa deverá ser uma das matérias da reunião”, refere à Renascença, em tom esperançoso, um deputado social-democrata.

O núcleo duro montenegrista não prevê que o tema venha a ser discutido, nem que seja assunto que venha a marcar a reunião à porta fechada. "Penso que não", antecipa um elemento da direção da bancada. "Imagino que seja possível" discutir a eutanásia, atira outro dirigente do grupo parlamentar.

Oficialmente, a direção da bancada quer "debater o calendário da apresentação de iniciativas legislativas para o próximo ano”, esclarece um deputado próximo da liderança de Luís Montenegro. É o tudo por tudo da direção social-democrata para que esta seja uma reunião “positiva” e “muito tranquila”.

No entanto, até esse núcleo admite que pode haver membros da bancada a levantar ondas sobre a estratégia de última hora de tentar adiar a votação da eutanásia e de apresentar uma resolução para referendar esta prática. “Podem levantar, sim. Pode ser um vendaval ou pode até nem haver nada” assume à Renascença um outro deputado da confiança de Montenegro.

Entre os que desalinham da estratégia do líder nacional critica-se a escassez de diálogo e antevêem uma agenda longa na reunião desta quinta-feira. “Há várias matérias, porque não tem havido reuniões. Essa [tentativa de referendo à eutanásia] deve ser uma delas”, antecipa um outro deputado à Renascença.

O mesmo deputado acredita ainda que o texto de Pedro Passos Coelho publicado a semana passada pelo jornal Observador “talvez” tenha abanado a atual direção do PSD, mas garante que “não” abanou a bancada ao ponto de fazer do artigo tema de discussão.

O ex-líder do PSD desafiou os partidos que estão contra a legalização da eutanásia a revogar a lei no futuro, caso venham a conquistar a maioria no Parlamento, incluindo o PSD nesse lote, afastando ainda a hipótese do referendo. Uma posição rejeitada por Luís Montenegro: "Discordo completamente da posição do Dr. Pedro Passos Coelho", despachou o líder social-democrata.

Deputados do PSD "deviam ter abandonado" votação final global da eutanásia

Um dirigente social-democrata com experiência parlamentar reconhece à Renascença que o projeto de resolução a propor o referendo à legalização da eutanásia foi apresentado "à vigésima quinta hora" e que "estava-se a ver que era inconstitucional", mas nem é aí que vê o verdadeiro problema. A questão é que a bancada devia ter ido até ao fim e ser "consequente".

Ser "consequente" quer dizer o quê? Fazer algo que marcasse a defesa do texto do PSD. Este dirigente considera mesmo que todos os deputados da bancada presentes "deviam ter abandonado" a Sala das Sessões na altura em que foi rejeitado o requerimento dos social-democratas para adiar a votação e o texto de substituição do PS foi a votação final global.

Nem seria uma posição inédita, lembra o mesmo dirigente do PSD, recordando que, em 1997, a bancada em bloco abandonou o Plenário da Assembleia da República no momento da votação na generalidade dos projetos de lei relativos à criação das regiões. Nessa altura, à frente da bancada parlamentar estava Luís Marques Mendes e o líder do partido era Marcelo Rebelo de Sousa, avesso à regionalização.

Se agora a bancada tivesse abandonado o hemiciclo na votação da eutanásia, "aí teríamos marcado o dia e só se falaria disso", mas "falta rasgo", lamenta este social-democrata, que não acredita que algum deputado levante o tema na reunião do grupo parlamentar desta quinta-feira. "Ninguém está para isso", despacha este dirigente.

“Uma última cartada” que deu para pôr em marcha uma estratégia

Entre os que estão mais próximos da liderança de Montenegro, admite-se que a tentativa frustrada do PSD de referendar a eutanásia à vigésima quinta hora possa ser lida como uma “última cartada”. Na altura, André Ventura classificou-a como uma "aselhice política" e insistiu que a proposta nem sequer devia ir a votos por ser “inconstitucional” - tese que foi corroborada pelo presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva.

Ainda assim, nem todos os efeitos são considerados negativos. Para este deputado do PSD, esta foi uma chance de começar a colar o PS ao Chega. “Mais não seja, foi uma boa oportunidade para apontar aquilo que queremos apontar: o conluio do PS com o Chega”, refere à Renascença este social-democrata.

Esta estratégia, de defender que André Ventura e Augusto Santos Silva crescem de “braços dados”, como disse o secretário-geral do PSD, Hugo Soares, deverá ser uma das apostas do partido nos próximos meses. “Aquelas interpelações, as censuras, esses números, servem aos dois”, aponta um deputado, que acredita que a semana passada foi o pontapé inicial para a tática do maior partido da oposição.

Mas onde uns vêem uma janela de oportunidade e estratégia política, outros vêem neste caso do projeto de referendo à eutanásia um "erro" de fundo. Não o do projeto de resolução em si, mas uma crise de combate parlamentar. "Agora se vê o erro que foi o Paulo Mota Pinto não ter continuado" como líder parlamentar, queixa-se um deputado, atirando com acidez a Joaquim Miranda Sarmento.

O mesmo deputado lamenta ainda que Montenegro esteja pouco presente nos corredores do Parlamento. O líder do PSD está esta semana em Castelo Branco a cumprir mais um roteiro de "Sentir Portugal", mas este parlamentar considera que "devia estar mais presente, está em Castelo Branco, mas devia ir ao terreno, vir a Lisboa mostrar solidariedade às pessoas e criticar a atuação do Costa e do Medina enquanto autarcas".