O presidente cessante do Hospital Santa Maria admitiu esta terça-feira que as urgências precisam de “uma grande reforma”, mas avisou que não haverá hospitais de fim de linha suficientes se continuarem a fechar todos os dias urgências na região de Lisboa.
A “grande reforma” do serviço de urgência do Hospital Santa Maria, que juntamente com o Hospital Pulido Valente, integra o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), já começou há três meses, mas ainda sem tempo para ver os seus efeitos, disse Daniel Ferro em entrevista à agência Lusa.
O Hospital de Santa Maria foi alvo de uma grande pressão no Serviço de Urgência Geral nos últimos meses com os doentes a terem que esperar, em alguns dias, mais de dez horas.
Daniel Ferro admitiu que o serviço de urgência “é um ponto fraco da instituição, ou de várias instituições” no Serviço Nacional de Saúde, que “precisa realmente de uma grande reforma” que já foi iniciada.
“Naturalmente que a expectativa de que as situações melhorem de um dia para o outro ou de um mês para outro não pode existir e tem que ser no fundo bem compreendido, quer pela população, quer pelos utentes e também pelo próprio poder político, no sentido de que esta reforma tenha continuidade”, disse Daniel Ferro, que deverá ser substituído este mês no cargo pela farmacêutica Ana Paula Martins.
“Um dos passos que está a ser dado é no sentido de conseguir recursos diferenciados na área de medicina interna, o que não é fácil”, disse, exemplificando que dos oito novos médicos que queriam recrutar só conseguiram recrutar quatro.
Daniel Ferro, que ocupou o cargo de administrador do CHULN desde 2019, tendo o seu mandato terminado no final de 2021, defendeu que as medidas que estão a ser tomadas internamente possam ser acompanhadas de outras decididas pelo poder político para que haja uma reforma da área dos cuidados urgentes.
“Só com a reforma nesta área é possível que as coisas voltem a funcionar melhor. Essa é a nossa principal preocupação e é para isso que estamos a trabalhar, embora em curtos meses, para deixar o terreno preparado para que essa reforma aconteça”, sublinhou.
“Há muitos anos que é esperada [esta reforma], mas efetivamente não tem havido condições para a implementar. Esperamos que seja desta”, estimou.
Questionado sobre o funcionamento da rede de referenciação hospitalar de urgência, defendeu que deve ter melhor coordenação, com a distribuição equilibrada dos doentes quando há situações de fecho de urgências.
“Eu penso que esse processo está a ser equacionado e que as medidas de melhoria vão acontecendo, mas é preciso pensar noutra coisa: A transferência para unidades de fim de linha no nosso sistema está prevista sobretudo para quando não seja possível trabalhá-las do ponto de vista técnico e clínico, e não por razões de capacidade”, disse.
Contudo, vincou, o que está a acontecer é que o fator mais frequente atualmente é “a falta de capacidade” nas outras instituições.
“O que precisamos de fazer ao mesmo tempo não é só equilibrar a rede, mas é sobretudo ver o que falta em cada instituição para que essa capacidade efetivamente não se esgote tão depressa, porque não haverá hospitais de última linha que cheguem se todos os dias fecharem na região de Lisboa, duas ou três, urgências”, advertiu, esperando que esta situação possa ser corrigida “nos próximos meses e nos próximos anos”.
Daniel Ferro lembrou que o fecho de urgências, que “era raro” acontecer há quatro anos, “alterou significativamente” a situação destes serviços e tem sido uma das causas para os longos tempos de espera observados nalguns dias no Hospital Santa Maria.
Por outro lado, a localização do Santa Maria, que torna mais fácil o acesso ao hospital, e a complexidade dos doentes, que obriga a um tempo de permanência e de atendimento mais prolongado também contribuem para esta situação.
“O hospital está confrontado com uma procura que, não sendo maior quantitativamente, aumentou bastante do ponto de vista de complexidade dos doente” e o serviço de urgência está praticamente reduzido à medicina interna, enquanto há quatro ou cinco anos tinha várias especialidades, um fenómeno que é extensível a muitas outras urgências e que preocupa o sistema de saúde, frisou.
Para Daniel Ferro, é preciso repensar “o paradigma da urgência” com outros princípios, outras regras e, sobretudo, investir na formação e na diferenciação em urgência.