“É um livro onde tudo o que acontece tem uma causa política, embora não fale de política diretamente. Mas se falarmos sobre a vida quotidiana de Cuba, possivelmente é o meu livro mais polémico” reconhece Leonardo Padura em entrevista à Renascença.
“Como Poeira ao Vento” conta a história de um grupo de amigos que é afinal de contas a história de uma geração que quando chega aos 30 anos vê o futuro desaparecer. A maioria sai do país, por razões pessoais, profissionais, sentimentais, económicas, nenhum por motivos políticos, embora tudo seja por razões políticas.
Nesta entrevista, o escritor cubano, que decidiu permanecer até agora em Cuba, lamenta ter sempre de “falar mais de política do que literatura”, fala ainda da situação do país, depois da pandemia, dos protestos no verão passado e de Joe Biden que não mudou a política do seu antecessor.
Este livro conta a história de um grupo de amigos que vive em Havana e em algum momento da vida decidem sair do país. Esta é a história da diáspora cubana, e a história de um país?
Sim, conta a história deste grupo de pessoas que se conhecem desde a universidade, são engenheiros, médicos, arquitetos, físicos, e que mantiveram sempre uma relação muito próxima. É a história de uma geração que vai para o exílio, outros permanecem no país, isto é parte da história contemporânea de cuba.
Mas é um romance histórico?
De certa forma é um romance histórico porque conta a história da minha geração desde a década de 90 do ano passado quendo cuba sofre um agrave crise económica com o desaparecimento da União Soviética. O dinheiro soviético acabou e desapareceu aquele país virtual em que vivíamos e começamos a viver num país real e a diáspora é uma das consequências.
Nos livros policias de Mário Conde a diáspora já está muito presente, mas não como aqui. Já tinha esta ideia há muito tempo?
Este livro completa um ciclo que comecei em 2001 com a obra “O Romance da minha vida” que conta a história de José Maria Herédia, poeta do século 19 que tem de se exilar devido às duas ideias independentistas. E já nesse livro conto os dramas dos exilados, de quem tem de começar de novo a vida noutro país. Em 2015 um dos episódios desse livro é escolhido para a história do filme “Regresso a Ítaca” onde se fala dos exilados. Mas nunca tinha desenvolvido o tema de uma forma tão profunda como neste livro. São obsessões que tenho como pessoa e como escritor.
Eu escrevo sobre temas que tem a ver com mudanças e a diáspora é um deles. Começar uma nova vida num país diferentes, com língua diferente é algo muito dramático e o romance conta esses dramas.
Este livro era para se chamar Clã Disperso. Porque mudou de nome?
Sim, durante muito tempo esse foi o título escolhido, mas é também o título de uma obra inacabada de Alejo Carpentier, um grande escritor cubano dos anos 20 do século passado. A fundação informou-me que queria publicar esse texto e fiquei sem título. Foi em março de 2020, estava no México com um escritor amigo, numa esplanada de um restaurante numa praia, e a música que estava a tocar era “Dust in the wind”. Francisco López Sacha, o meu amigo disse-me, já tens o título para o teu livro e assim ficou “Como Poeira ao Vento”.
Para além do Clã, há neste livro uma figura feminina, Clara, que assume o papel de protagonista. É uma novidade nos seus romances, dar um papel central a uma figura feminina?
Sim, nos meus romances Mário Conde é o protagonista quase absoluto, exceto no livro HEREGES onde há mais protagonistas e no “Romance da minha Vida” cujo protagonista é o poeta José Maria Heredia que é um homem. Neste romance há algo muito importante, a Pátria, que é o lugar em que vivemos. Eu gosto de pensar em mátria e por isso tinha que existir uma mulher que seja a mátria que é a Clara. É a mãe por excelência, que tem dois filhos que também vão para o exílio, que tem uma relação amoroso com dois dos personagens e é a dona da casa que fica num bairro periférico de Havana. É a representação de Cuba. Clara e a sua casa são duas figuras centrais do romance. No meu caso, tenho de ter muito cuidado quando estou a criar personagens femininas, porque as mulheres são um mistério. A minha mulher, com quem vivo há 44 anos, quando está zangada diz-me que eu não a conheço. Acho que nunca conhecerei completamente as mulheres.
A amizade mantém-se apesar da distância entre eles, uns na europa, nos estados unidos, porto rico. É a história da sua geração. O senhor ainda tem muitos amigos de universidade, em Cuba?
Sim. Mas esse é o tema do exílio, que se cruza com o da permanência e o da pertença e com a amizade. Acredito que uma das grandes facetas do homem é estabelecer relações de fraternidade e de amizade e para mim essa relação com os amigos é muito importante e passei isso para a literatura. A amizade está já nos meus outros livros, com o Mário Conde e aqui neste romance há um momento em que Clara viaja para França e para Espanha para se reunir com os amigos que estão na europa. Há outro momento do livro, quando uma das personagens fica doente, os que estão fora regressam a cuba para estar com ele. Esta amizade entre eles é muito importante neste romance.
Ao longo do romance vamos percebendo que as personagens que vão para o exílio, exceto uma, não conseguem apagar cuba da sua vida, continua sempre presente. É assim?
Sim, há muitos anos um amigo escritor que vive em Espanha há 30 anos disse-me “nem saindo de cuba se sai de cuba, ela persegue-te” e eu acho que é isso mesmo. É difícil quebrar os laços culturais, mas isso não acontece apenas com os cubanos. Nos estados unidos há também uma grande comunidade de portugueses que vivem como em portuga, comem bacalhau. Penso que todos aqueles que têm de começar uma nova vida a anterior nunca os abandona.
“É um livro onde tudo o que acontece tem uma razão política, e se falarmos sobre a vida quotidiana de Cuba, possivelmente é o livro mais polémico”.
Este livro é onde se retrata de uma forma mais intensa a falta de condições sociais e económicas em que vivem os cubanos. É o seu livro mais político?
É um livro onde tudo o que acontece tem uma razão política, embora não fale diretamente sobre política, mas tem um grande conteúdo político. Neste livro é feita uma avaliação sobre Cuba e em Cuba tudo está relacionado com política. Não direi que é o mais político. Em “O homem que gostava de cães” com Trotsky e Mercader há um conteúdo político expresso. Mas se falarmos sobre a vida quotidiana de Cuba, possivelmente é o livro mais polémico.
Mas o livro foi publicado em Cuba. Tem problemas com o regime por isso?
Até agora não. O livro tem uma edição pequena, uma edição alternativa que foi lançada na Feira do Livro de Havana e como o país convidado era o México, a minha editora mexicana enviou alguns livros para Cuba. Mas desde que foi lançado em Espanha, no ano passado, que surgiram cópias digitais piratas e muitos leram o livro no telemóvel. E fico muito contente, porque apesar de não terem acesso ao livro em papel, os cubanos procuram formas alternativas de ler os meus livros, e isso é muito gratificante.
Disse numa entrevista que lamentava ter de falar mais de política do que de literatura, mas que tem obrigação de o fazer. Porquê?
Sim, tu mesma disseste quando falaste do romance. É um livro que não trata de política, mas que fala muitíssimo de política. E toda a minha literatura fala muitíssimo sobre política. Eu tenho as minhas ideias políticas, não pertenço a nenhum partido. Quando um jornalista me faz perguntas sobre política eu digo que sim, mas que podemos falar mais sobre literatura. Mas como eu escrevi numa crónica, há uns anos, “Gostava de ser como Paul Auster” porque lhe perguntavam sempre por três coisas, literatura, cinema e basebol, que são as três coisas que eu mais gosto no mundo. Mas depois houve uma maldição, um senhor chamado Donald Trump e ele teve de fazer muitas declarações políticas.
“O governo cubano ficou assustado, porque rapidamente um sector importante da sociedade começou a ganhar dinheiro. E quando és economicamente independente, também és politicamente independente”.
A ação deste romance decorre entre 1989 e 2016, quando Obama visita Cuba. Depois com Donald Trump tudo mudou e com Joe Biden há alguma mudança no relacionamento entre Cuba e os Estados Unidos?
A chegada de Trump à Casa Branca foi o princípio do retrocesso aos tempos do conflito, do confronto do governo norte americano em relação a Cuba. E muitas vezes, quer os estados unidos quer a União Europeia, quando tomam medidas contra Cuba, nunca pensam que o governo é uma coisa e outra são os cubanos.
E com o Governo de Trump a situação ficou muito complicada, até porque as remessas dos estados unidos para cuba reduziram muito e isso afetou muitas famílias. Quando o consulado em Havana fechou, os cubanos tinham de ir a Guiana pedir um visto para entrar nos Estados Unidos e sem terem a garantia de que era dado o visto. Então não sei até que ponto afetam diretamente o governo ou afetam mais os cubanos.
E com Joe Biden mudou alguma coisa?
Biden não mudou esta política de Donald Trump. Pensávamos ou esperávamos que houvesse uma aproximação ao que Obama fez, mas isso não aconteceu.
E o Governo de Havana como reagiu á abertura promovida por Barack Obama?
Isso é o mais importante desta história. O Governo cubano ficou assustado, porque rapidamente um sector importante da sociedade começou a crescer, a fazer negócios e a ganhar dinheiro. E quando és economicamente independente, também és politicamente independente.
E depois veio a pandemia e no verão passado os cubanos saíram à rua a protestar ….
Com a pandemia o turismo paralisou e com as medidas restritivas de Trump e houve um momento em que a sociedade cubana deu um grito de dor e de desespero. E houve manifestações em várias cidades do país, algumas pacíficas e outras pessoas cometeram atos de vandalismo. Os julgamentos das pessoas que se manifestaram no verão passado foram muito duros, com penas muito grandes. Eu acho que estão a prejudicar muito a imagem do governo cubano, porque dizer a alguém que se sais á rua e atiras uma pedra, podes apanhar 20 anos de prisão, isso foi uma lição para acabar com os protestos. Acabaram com a possibilidade de outras manifestações, mas não resolveram os problemas que estão na base desses protestos.
E por causa da pandemia, ficou fechado em casa e escreveu um novo romance onde surge de novo Mário Conde.
Já está na fase de revisão e vai ser editado em Espanha no final do mês de agosto. São duas histórias numa, a primeira ocorre em 1910 com um proxeneta que é figura mítica em cuba, e depois em 2016 com Mário Conde, precisamente no momento em que Obama visita Cuba. São dois momentos muito loucos da vida cubana porque parecia que ia acontecer alguma coisa, mas não aconteceu nada. É um romance que através de dois caminhos diferentes com personagens muito diferentes contam a história dessa Cuba que não acaba nunca, e que nunca chega onde pensamos que pode chegar.