"Estado Islâmico está cada vez mais vulnerável", diz especialista
20-11-2015 - 18:08
 • Celso Paiva Sol

Ataques na Europa são, para Armando Marques Guedes, uma espécie de defesa em forma de ataque. Bombardeados no seu território, os jihadistas atacam no Ocidente, diz.

O aumento de atentados no Ocidente não é um sinal de maior capacidade do autoproclamado Estado Islâmico, mas sim uma reacção ao cerco que lhe está a ser montado no território que já ocupa. É a opinião de Armando Marques Guedes, professor na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e no Instituto de Estudos Superiores Militares.

“O Estado Islâmico na realidade, ao contrário do que parece pela actuação deles, crescente no Ocidente, está cada vez mais vulnerável”, diz. “Há uma população, há um território, há cidades concretas que se sabe que estão completamente controladas pelo Estado Islâmico e há várias manchazinhas no mapa que estão a ser bombardeadas pelos americanos, franceses, jordanos, pelo Qatar, pelos sauditas, pelos turcos.”

Para Armando Marques Guedes, o “ecossistema em que opera o Estado Islâmico alterou-se, de uma maneira que leva o Estado Islâmico a achar que se abriu uma janela de oportunidades para poder fazer actuações visíveis no Ocidente”.

É uma espécie de defesa em forma de ataque, que não implica, no entanto, qualquer desvio na estratégia desenhada pela organização, pelo menos desde 2011.

O EI tem financiamento, mas já não virá tanto da venda do petróleo, aponta o especialista. “Se eles estão a fazer milhões de dólares por dia, certamente que uma percentagem muito pequenina é que é do petróleo porque o petróleo está a ser vendido ao desbarato.”

“O grosso do financiamento que eles têm é de príncipes sauditas, do Qatar, quase oficiosamente no caso do Qatar, de alguns dos Emiratos, de milionários egípcios, de islamitas sunitas nos Estados Unidos, na diáspora, na Alemanha, na França e no Canadá.”

Recursos humanos abundantes

O académico afirma que o recrutamento na Europa é feito em “sítios onde o projecto multicultural falhou”, “com uma percentagem brutal de jovens desempregados”.

O recrutamento faz-se, sobretudo, nas segundas e terceiras gerações de emigrantes. “Vivem isolados, em circuitos fechados, não têm empregos, não têm escolaridade, sentem-se marginalizados, acham que estão a ser discriminados pelos holandeses, pelos britânicos, pelos franceses, seja por quem for. E são fáceis de radicalizar”.

O mesmo acontece nos países do Médio Oriente. “As disparidades económicas entre os que têm e os que não têm nada, nem vão ter hipóteses de vir a ter porque não há empregos para todos, é brutal. E [são] por isso, mais uma vez, particularmente fáceis de recrutar.”

O factor russo

Para Armando Marques Guedes, a Rússia é um protagonista decisivo no xadrez geopolítico. A vários níveis, incluindo a gestão que faz das ameaças que tem dentro do seu próprio espaço de influência.

“No Daguestão há, tal como na Chechénia, movimentos islamitas radicais, de que Vladimir Putin, a Federação Russa, não gosta. Ora, há cinco mil e tal jihadistas provenientes da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá, e pelo menos outros tantos, senão mais, provenientes do Cáucaso do Norte, designadamente do Daguestão. Viajam por um corredor seguro, garantido pela FSB, sucessor da KGB, que tem o maior interesse em que eles saiam do Daguestão para os ir matar lá, na Síria, em vez de fazer como na Chechénia.”

Mas, para o professor do Instituto de Estudos Superiores Militares, a agenda russa vai mais longe, e já se nota noutro grande desafio que a Europa enfrenta: a crise dos refugiados.

“Não é de descontar a participação russa activa para criar uma destabilização, que não pode senão criar fluxos de refugiados que vão fazer aquilo que a Rússia está abertamente a tentar fazer: destabilizar a Europa. A destabilização por causa dos refugiados manifesta-se nas divisões enormes que há na Europa quanto à recepção dos refugiados.”

“Criar refugiados como instrumentos de guerra é um clássico. Acontece pelo menos desde o século XIX, acontecia no Renascimento, é uma coisa muito comum.”

Armando Marques Guedes defende uma rápida mudança de atitude por parte da União Europeia, verdadeiramente defensiva das suas fronteiras e interesses, que se coordene de forma mais concreta e eficaz com os Estados Unidos.

Quanto ao autoproclamado Estado Islâmico, não tem dúvidas: o que está em curso é uma guerra e, por isso, a solução terá que ser militar.