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Entre 2010 e 2012, Maroun Lahham exerceu o cargo de arcebispo de Tunes, capital da Tunísia. A 17 de Dezembro de 2010, um jovem imolou-se em protesto contra a opressão do regime, levando a uma série de revoltas que depuseram o ditador Ben Ali. Seguiu-se o Egipto, um dos países mais influentes do mundo árabe, onde a 25 de Janeiro de 2011 começou a ocupação da praça Tahrir.
Nesta entrevista, o actual vigário-patriarcal da Jordânia, que tem 67 anos, faz o balanço de cinco anos do início da Primavera Árabe e fala também da crise de refugiados que afecta tanto o Médio Oriente como a Europa.
Enquanto arcebispo de Tunes no início da “Primavera árabe”, como é que viveu esse momento?
Foi uma grande surpresa. O regime de Ben Ali era muito duro, ninguém se atrevia a pronunciar o seu nome. De repente houve esta explosão popular e vivemo-la com grande entusiasmo. Levou quase 18 dias até ele fugir para a Arábia Saudita e ainda lá está.
Não se pode dizer que a Tunísia se tenha tornado um paraíso, mas pelo menos descobriram a democracia e vivem-na. Têm uma Constituição muito boa, moderada, democrática. É a única do mundo árabe que garante a liberdade de credo e de consciência para toda a gente.
O Egipto passou por altos e baixos, mas parece ter estabilizado. A democracia é possível num país como o Egipto?
É possível, mas leva tempo. A democracia não é um dom, é algo que temos de adquirir.
Os tunisinos são, em geral, mais escolarizados do que os egípcios e certamente mais que os líbios. Penso que a democracia poderia funcionar na Síria, se as coisas lá acalmarem. No Egipto continua a ser necessária uma mão forte, mas mesmo no Egipto existe algum sentido de democracia. Por exemplo, Mubarak partiu, mas quando a Irmandade Muçulmana tomou o poder foram expulsos pelo povo, o que é também um sinal de democracia.
Cinco anos depois dos primeiros sinais destas revoluções, que balanço faz da Primavera Árabe?
Começou muito bem, mas quando chegou à Líbia foi o fim do mundo, porque o Khadaffi nunca formou um Estado ou um povo. Há tribos a lutar umas contra as outras e ele comandava pela força. Já na Tunísia as pessoas eram educadas.
Penso que um dos aspectos positivos é que em todos estes países, o povo deixou e temer os governos. Antes, se o Presidente ou o Rei dissesse que 2+2 = 10, as pessoas diziam 10, senão mesmo 11. Agora são os líderes que temem o povo e isto é um desenvolvimento positivo.
Agora, a democracia é também um processo que leva uma ou duas gerações. Mas uma coisa é certa, a Síria não vai voltar a ser como era, nem o Iraque, nem o Egipto, nem a Líbia, embora a Líbia possa ser o último país a estabilizar.
O que nos leva à questão da Síria. Consegue antever um fim para a guerra?
Sim. Sou optimista por natureza e por fé. Acredito que o fim virá, mas isso depende também, e sobretudo, das superpotências, porque na política não há valores nem ética, apenas interesses. Os EUA, a Rússia, a Arábia Saudita, Israel, o Irão, todos têm interesses na Síria. Quando estes países encontrarem uma solução, espero…
Porque os sírios estão cansados, o Estado Islâmico está na defensiva, penso que uma superpotência poderia dar o golpe de misericórdia no Estado Islâmico se sentissem a ameaça nos seus próprios países. Vimos o que foi a reacção de França depois dos atentados de 13 de Novembro. Espero que não, mas o mesmo poderia acontecer na Alemanha, Inglaterra, França… E isso forçá-los-á a agir, porque sentirão as chamas nas suas casas.
A situação na Síria levou muitas pessoas a aperceberem-se da divisão entre sunitas e xiitas. Esse é o verdadeiro problema do Médio Oriente?
Não. O verdadeiro problema é que as superpotências não querem que qualquer país árabe se torne forte e desempenhe um papel realmente efectivo na política do Médio Oriente.
Em cada país árabe há um ponto crítico que não se pode tocar. Na Síria é a divisão entre sunitas e xiitas, noutros países é entre cristãos e muçulmanos, ou entre palestinianos e jordanos. As potências tocam nesses pontos para criar problemas.
Os sunitas e os xiitas viveram juntos em paz durante séculos na Síria e no Iraque.
A Jordânia desempenha um papel importante na crise de refugiados. Quão difícil é esta questão?
É um verdadeiro problema. A população da Jordânia é 9 milhões. Seis milhões são jordanos e três milhões são refugiados. Imagine que 30% da sua população são refugiados?
É um problema humano, porque estamos a lidar com pessoas que perderam tudo, que sofreram e foram perseguidas pelas suas opções políticas ou pela sua fé, e temos de lidar com isso.
É um problema social, porque temos pelo menos 1,5 milhões de sírios e eles trabalham no mercado negro. Eles têm mais jeito que os jordanos para trabalho manual e estão dispostos a ganhar menos. É um problema para os jordanos que sentem que os sírios lhes estão a roubar os empregos.
E por fim é um problema moral, porque algumas das famílias sírias, empurradas pela pobreza aceitam casar – porque não quero usar o termo “vender” – as suas filhas, às vezes com 14 anos, a milionários dos Emirados por cem dólares durante três meses. Imagine-se o trauma que isto é para a rapariga e para a sua mãe. Isto não existia na Jordânia. Também não existiam bordéis, e agora temos muitos. São coisas a que não estamos habituados, mas a natureza humana é como é.
A chegada de refugiados à Europa tem causado muitos debates e discussões. Que mensagem tem para os europeus?
A minha mensagem é a mesma do Papa Francisco, temos de acolher as pessoas. Pondo-me na pele dos países europeus, eu compreendo, depois do que aconteceu em Colónia na noite de Ano Novo, que é preciso ter cuidado. Se 95% dos refugiados são verdadeiramente pobres e apenas querem trabalhar e ter um futuro melhor, basta que haja 2% de infiltrados para que haja problemas. Como nos podem obrigar a acolher pessoas quando existe uma probabilidade, mesmo que reduzida, de entrarem fanáticos?
Compreendo ambos os lados da questão, mas de um ponto de vista humano, penso que temos de escrutinar quem chega, mas não podemos fechar as fronteiras.