Manuel Pinho, ex-ministro de Sócrates, foi detido. Porquê?
14-12-2021 - 19:15
 • Marta Grosso

O antigo ministro da Economia foi constituído arguido no caso das rendas excessivas da EDP ha quatro anos. Nesta terça-feira, ficou detido por ordem do juiz Carlos Alexandre. Saiba o que está em causa.

Economista de formação, Manuel Pinho aceitou o convite para integrar a equipa de José Sócrates em 2005, mas diz agora que foi “um erro enorme”.

O processo tem tido avanços e recuos e já teve dois juízes a conduzi-lo.

Aos 66 anos, o antigo ministro da Economia acabou por ser detido depois de se apresentar a mais um interrogatório, mas mantém a declaração de inocência face às acusações que lhe são dirigidas.

Quem é Manuel Pinho?


É economista e foi ministro da Economia e da Inovação no Governo de José Sócrates entre 2005 e 2009. Saiu na sequência de um gesto que fez durante um debate no Parlamento (a imitar uns cornos), depois de ter estado envolvido em outras polémicas.

Não tem filiação partidária e diz ter cometido “um erro enorme” ao aceitar o cargo de ministro.

"Além dos custos que eu e a minha família tivemos de suportar em termos financeiros (empobreci muito na política, ao contrário de enriquecer) e de exposição pública, posteriormente a minha vida nunca mais foi a mesma, tendo levado a um confinamento que já leva nove anos", afirma no site que criou para se defender no caso em que é acusado.


EDP. Que caso é este?


É o chamado caso das rendas excessivas e está relacionado com alegados benefícios dados pelo Estado – e pelo então ministro Manuel Pinho em concreto – à elétrica portuguesa, num montante superior a 1,2 milhões de euros.

O caso teve início há cerca de 10 anos, mas Manuel Pinho só foi constituído arguido em 2017, pela Polícia Judiciária.

Nessa altura, assinou, no jornal “Público”, um artigo de opinião no qual garantia não ter favorecido a empresa e pedia uma investigação até “às últimas consequências”.

Em investigação, no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), estão os procedimentos relativos à introdução do mecanismo de Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), cujo objetivo era compensar financeiramente as centrais elétricas cujos contratos de aquisição de energia (CAE) acabassem antes da data prevista, na sequência das alterações à lei impostas pela Comissão Europeia (2003).

Segundo o Ministério Público, a EDP terá ainda sido beneficiada pelo ex-secretário de Estado da Energia (entre 2012 e 2015) de Pedro Passos Coelho, Artur Trindade, na criação do regime dos CMEC – a empresa terá, em troca, sugerido o nome do ex-governante para a presidência do Operador do Mercado Ibérico de Energia (OMIP).

Também o pai de Artur Trindade foi, posteriormente, nomeado assessor da EDP, ocupando o cargo de consultor no Comité de Acompanhamento das Autarquias.

De que é acusado Manuel Pinho?


Em 18 de julho de 2018, Manuel Pinho foi acusado de ter recebido “luvas” do BES no valor de 778 mil euros do saco azul do GES (Grupo Espírito Santo) quando ainda era ministro, montante que não declarou ao Tribunal Constitucional.

Em 24 de setembro do mesmo ano, Pinho foi suspeito de usar perdão fiscal para limpar milhões em “luvas” do BES.

Já em 2020 (22 de junho), foi acusado de ter sido subornado pelo presidente da EDP, António Mexia, durante o seu mandato enquanto ministro da Economia.

A mesma acusação recai sobre o seu assessor João Conceição, o secretário de Estado Artur Trindade e o diretor-geral de Geologia e Energia Miguel Barreto.

Em 18 de janeiro de 2021, o juiz Carlos Alexandre emite um despacho no qual revela que Manuel Pinho, António Mexia e João Manso Neto terão sido corrompidos pela Odebrecht na obra da Barragem do Baixo Sabor.

Manuel Pinho é ainda acusado de, quatro meses antes de deixar o lugar de ministro, ter recebido 58 mil euros de uma empresa de construção civil com sede em Gibraltar (um paraíso fiscal).

Arguido-não arguido-arguido


Depois de ter sido constituído arguido, no verão de 2017, Manuel Pinho e Miguel Barreto invocaram a nulidade da decisão, sustentando que não lhes foi permitido prestar declarações nem conhecer os todos os e provas existentes no processo que lhes dissessem respeito.

Foi, então, requerida a intervenção do juiz de instrução Ivo Rosa, que considerou ter havido “irregularidade no ato de constituição” de ambos como arguido, pelo que decidiu que ficava, desse modo, sem efeito o estatuto de arguido, declarando também a “ilegalidade e extinção do TIR”.

Ivo Rosa entendeu estarem em causa direitos, liberdades e garantias, designadamente por defender que o TIR contém consequências, na medida em que constitui uma medida restritiva do direito à liberdade e do direito de deslocação, consagrados na Constituição.

Contudo, o despacho do juiz foi declarado nulo em junho de 2019, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que retirou o estatuto de arguido no processo EDP ao ex-ministro da Economia Manuel Pinho e a Miguel Barreto, ex-diretor-geral da Energia.

Segundo o acórdão do Tribunal Relação de Lisboa (TRL), o despacho de Ivo Rosa é nulo, desde logo, porque “a competência para apreciar nulidades/irregularidades ocorridas em fase de inquérito pertence ao Ministério Público”.

Em 10 de fevereiro de 2021, o Tribunal Constitucional veio reforçar a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e mantém o ex-ministro como arguido.

Onde aparece a universidade americana no caso?


A par do processo judicial, foi criada, no Parlamento, em 2019, uma comissão de inquérito às rendas de energia, cujo relatório aponta, tal como o Ministério Público, para suspeitas de que Manuel Pinho beneficiou a EDP.

Segundo o documento, o então ministro da Economia terá favorecido a elétrica portuguesa (prolongando os prazos das concessões de 27 barragens) em troca de ir para os Estados Unidos dar aulas na Universidade de Columbia, sendo o salário pago pela EDP.

Um conjunto de emails anexados ao processo das rendas em 2019 revela que foi o próprio Manuel Pinho que se propôs à universidade nova-iorquina, bem como que o seu salário fosse pago pela Horizon (empresa do grupo EDP). O curso sobre o qual iria lecionar seria sobre energias renováveis.

A denúncia é feita pela revista “Visão”, ainda em 2017, quando publica um email enviado pelo reitor da Universidade de Columbia a António Mexia, em 2009, dando conta de que, em troca do patrocínio da EDP, Manuel Pinho seria ali professor.

Este email foi recebido pelo presidente da EDP seis meses depois da demissão do antigo ministro. Conta a revista que o reitor da universidade, John Coatsworth, informa Mexia no email que, na sequência da reunião de 20 de novembro, em Nova Iorque, se a EDP fizesse um primeiro pagamento de 300 mil dólares até ao fim do ano, a School of International and Public Affairs (SIPA) conseguiria, entre outras coisas, “pagar o salário de um professor convidado” para dar aulas durante um semestre sobre “energia e ambiente”. E a pessoa “mais bem posicionada para ocupar essa posição”, acrescentava, era “Manuel Pinho”.

O antigo governante começou a dar aulas na universidade norte-americana em setembro de 2010.

Esta documentação veio colocar em causa a defesa da EDP, segundo a qual a proposta para o patrocínio de 1,2 milhões de dólares e a contratação de Manuel Pinho tinham sido responsabilidade da própria Universidade de Columbia.

Veio ainda reforçar os indícios de corrupção ativa pelos quais estão indiciados António Mexia e João Manso Neto, bem como os de corrupção passiva imputados a Manuel Pinho, dado que as aulas são vistas como contrapartida pelos alegados favorecimentos do ex-ministro à EDP nos contratos CMEC.

Nunca fui favorecido pela EDP e sempre tive o cuidado de nunca me envolver profissionalmente com a empresa. Para que fique absolutamente claro, a EDP também nunca me pagou, a mim e à minha família, viagens a grandes cidades, estadas em hotéis de 5 estrelas e avenças, nem deu emprego aos meus filhos”, escreveu o então ministro no “Público” assim que o seu nome foi envolvido no processo-crime que decorreu das buscas às sedes da EDP e da REN.

Mas os documentos que vieram depois a ser conhecidos demonstram o contrário. A própria Universidade de Columbia se dispôs, junto do Ministério Público, a contribuir para a investigação, mostrando toda a documentação relacionada com a contratação de Manuel Pinho.

Além da Universidade de Columbia, Manuel Pinho foi professor visitante na Faculdade de Estudos Internacionais de Pequim e, entre 2015 e 2016 professor visitante na Universidade de Georgetown. Em 2012-2013 foi “Senior Fellow” do Jackson Institute for International Affairs da Universidade de Yale e ainda deu aulas no Yale College, Yale School of Management, Universidade de Renmin na China e Universidade de Pequim.

Em 2015, foi professor visitante na Universidade de Queensland (Austrália), que lhe atribuiu a Rodney Wiley Eminent Fellowship em novembro de 2015.

À agência Lusa, pouco depois de começar as aulas na Universidade de Columbia, o ex-governante afirmou que, apenas um mês depois de ter saído do Governo, recebera três convites de universidades nos EUA – duas da costa Leste e uma na costa Oeste – tendo-se decidido pela de Columbia depois de, no dia dos seus anos, em 28 de outubro de 2009, ter recebido um telefonema do reitor com o convite.

Quem são os arguidos neste processo?


São vários, sendo os mais sonantes Ricardo Salgado (ex-presidente do BES/GES), Manuel Pinho e os antigos presidentes da EDP e da EDP Renováveis, António Mexia e João Manso Neto, respetivamente.

Foi ainda constituído arguido Miguel Barreto, ex-diretor-geral da Energia, e o antigo secretário de Estado Artur Trindade.

A EDP foi constituída arguida em julho de 2020, no seguimento de “factos relacionados com a contratação do pai do então secretário de Estado da Energia, Artur Trindade”. Em causa estão alegadas irregularidades nessa contratação e a entrada do ex-governante para o OMIP.

A empresa não foi implicada nos factos que ditaram, entre outras medidas, a suspensão de Mexia e Manso Neto dos cargos – tanto um como outro foram afastados dos cargos que ocupavam na elétrica e proibidos de entrar nos edifícios da EDP. Artur Neto foi obrigado a sair da presidência da OMIP.

Outro arguido é João Conceição, administrador da REN, sendo que da lista faz ainda parte Rui Cartaxo, presidente do conselho de administração do Novo Banco e ex-presidente da REN, Pedro Rezende e Jorge Machado, ex-responsáveis na EDP, e Pedro Furtado, responsável da REN ligado à área de planeamento e controlo.

Os quatro gestores são suspeitos dos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva e participação económica em negócio.

Manuel Pinho e Miguel Barreto foram constituídos arguidos no verão de 2017, tendo-lhes sido então aplicada a medida de coação de termo de identidade e residência (TIR).

A Polícia Judiciária e o Ministério Público suspeitam que o ex-ministro socialista poderá ter recebido de uma empresa do Grupo Espírito Santo cerca de um milhão de euros entre 2006 e 2012 – isto porque o BES era acionista da EDP, ainda que apenas o sexto maior e de a elétrica ter uma participação cruzada com o BCP.

Mas as suspeitas sobre Manuel Pinho surgiram antes de 2017. Aliás, em 2009, quando se deu o incidente que levou à demissão de Pinho, o ministro trocava palavras à margem do debate parlamentar com o então líder parlamentar comunista, Bernardino Soares, que lembrava ao governante a sua ida a Aljustrel, entregar ao clube de futebol local um cheque de cinco mil euros alegadamente passado pela EDP.

Quem é o juiz à frente deste processo?


Começou por ser Ivo Rosa que, além de ter retirado o estatuto de arguido a Manuel Pinho e Miguel Barreto, proibiu a análise das contas bancárias e dos registos fiscais de António Mexia e João Manso Neto.

O magistrado considerou que a decisão do Ministério Público de levantar o sigilo bancário e fiscal daqueles arguidos não estava minimamente fundamentada. O Ministério Público respondeu com um recurso no Tribunal da Relação de Lisboa, no qual acusa o juiz de instrução criminal de atacar a sua autonomia e boicotar a investigação, prestando um favorecimento “injustificado aos arguidos”.

“O que no mínimo se impunha, e impõe, ao sr. juiz de instrução criminal é que se abstenha de intervir indevidamente naquilo que compete somente ao Ministério Público, sob pena de se postergar o direito da comunidade em ver a matéria em causa nos autos cabalmente esclarecida, mais a mais por ser de extrema relevância”, lê-se no recurso.

Os procuradores acusam ainda Ivo Rosa de dar sucessivos despachos favoráveis aos arguidos, chegando ao ponto de anular “diligências básicas” numa investigação de corrupção, esquecendo-se que “a investigação da criminalidade económico-financeira não se compadece com visões redutoras da vida”.

Isto porque, antes, o juiz já tinha impedido buscas à casa de Manuel Pinho por considerar não existirem indícios “mínimos” de corrupção por parte do antigo ministro.

Em fevereiro de 2020, o Conselho Superior de Magistratura (CSM) decidiu passar o processo das rendas excessivas para as mãos do juiz Carlos Alexandre – uma decisão sustentada com o respeito pelo “princípio da especialização”, sendo que, no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) “essa necessidade é especialmente sentida atendendo à natureza e complexidade dos processos”.

A mudança não agradou, contudo, à defesa de António Mexia e João Manso Neto, que logo avançou com um pedido de recusa do juiz titular com o argumento de que Carlos Alexandre não é parcial e estaria concertado com o Ministério Público.

Nessa altura, estava sobre a mesa a suspensão de funções a Mexia e Manso Neto na EDP, como acabou por acontecer.

Nesta terça-feira, dia 14 de dezembro, Carlos Alexandre decretou a detenção de Manuel Pinho, depois de ter sido interrogado no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) – uma decisão que o seu advogado, Ricardo Sá Fernandes considerou “um abuso de poder”, tendo em conta que o seu constituinte “compareceu sempre e nunca fugiu às responsabilidades”.

“A justiça não pode funcionar assim. O Ministério Público não pode escolher os juízes que acha que melhor servem os seus propósitos. Já vi muitas coisas, já vi coisas que achava que não iria ver, e sinceramente esta é uma das que eu achava que não iria ver", afirmou ainda aos jornalistas, ao início da tarde.

Qual o papel da mulher de Pinho neste caso?


Pouco se sabe sobre isso. Alexandra Pinho é, com o marido, suspeita dos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Ambos terão constituído uma sociedade em 2005 para receber os pagamentos do GES – a Tartaruga Foudation.

Além disso, terão sido descobertos depósitos suspeitos do Banco Espírito Santo na conta de Alexandra Pinho (mais de 260 mil euros), dinheiro que o Ministério Público acredita que fará parte do esquema de corrupção montado em torno do antigo ministro da Economia.

Tal como Manuel Pinho, Alexandra foi alvo de um mandado de detenção, mas que acabou por ser anulado, uma vez que a audição desta terça-feira à tarde já estava prevista. “Ela será ouvida às 15h30 pelo juiz Carlos Alexandre”, adiantou Ricardo Sá Fernandes.

“Não vai haver mandado de detenção”, garantiu. “Isso já foi anulado agora. Foi assim que decidiu o Ministério Público. Não há mandado de detenção, foi dado sem efeito, ela não vai ser detida”, acrescentou.

Confinado. Defesa na primeira pessoa

“Confinado” é o título do livro que Manuel Pinho se prepara para lançar sobre o caso das rendas excessivas à EDP e do site que criou para mostrar a sua defesa.

“Vivo confinado em resultado de estar a ser investigado há 9 anos sobre supostos favorecimentos à EDP em 2007, quando fui ministro (2005-2009) e da campanha difamatória de que fui (e sou) alvo. Como irá verificar, o processo envolve situações que não teriam lugar durante o Estado Novo”, afirma na apresentação, onde também anuncia a publicação das suas declarações aos procuradores do Ministério Público, “1.484 dias depois de ter sido chamado pela primeira vez”.

“Durante todo este tempo (mais de 4 anos) não me pude defender”, escreve. Mas os documentos são agora revelados, com permissão das autoridades judiciais, “por o processo não se encontrar em segredo de justiça”.

“Não favoreci a EDP nem em 1, 200 milhões de euros, nem em nada”, afirma num dos artigos que podem ser lidos no site, no qual explica também como se divide “o suposto favorecimento de 1, 200 milhões de euros”.

Na sua apresentação, além de classificar como “erro enorme” o facto de ter aceitado “exercer um cargo político”, afirma ser “reconhecida no estrangeiro” a sua contribuição para que Portugal seja “visto como um líder mundial no que respeita à produção de eletricidade através de fontes renováveis”.